Os juros e o populismo - por Francisco Sarsfield Cabral -
O sublinhado é nosso. O computador também.
Os juros e o populismo
Na terça-feira a Reserva Federal desceu a sua principal taxa directora. Antes, o Banco Central Europeu adiara a subida dos juros, prevista até eclodir a crise do crédito. O motivo é óbvio: esta crise afecta o crescimento económico.
Era inevitável que afectasse. Não há cura sem dor. O entusiasmo dos mercados financeiros, sobretudo na concessão de crédito, tinha ido longe demais. Em parte porque os juros nos Estados Unidos permaneceram baixos demasiado tempo. O que estimulou bolhas especulativas, primeiro nas acções tecnológicas e depois na habitação.
As decisões dos bancos centrais não evitam, apenas moderam, a subida dos juros. Assustados com as consequências do crédito fácil, os bancos têm agora outra percepção do risco. Por isso entraram numa fase de contracção e encarecimento do crédito.
A situação é propícia ao populismo. Ouvem-se críticas ao “monetarismo”, ignorando que o dito está morto e enterrado há vinte anos (a diversificação e sofisticação dos novos instrumentos financeiros tornou praticamente impossível medir a quantidade de moeda em circulação). E multiplicam-se os protestos contra os juros altos.
Nada de novo. No fim do séc. XIX surgiu nos EUA um “Partido Populista”, para promover a luta dos agricultores contra o crédito difícil e contra os bancos. E Hitler, antes de se tornar chanceler da Alemanha em 1933, prometeu em centenas de comícios “acabar com a escravatura dos altos juros”.
Agora temos os ataques de Sarkozy ao BCE e à sua independência. O hiper-activo presidente francês é inovador em vários domínios, mas não certamente quando insiste na mais retrógrada tradição dirigista da França. Sarkozy não aprecia o mercado e a concorrência. Ele é pela intervenção do Estado na economia, seja na promoção de esquemas para impedir a compra de empresas francesas por estrangeiros, seja tentando influenciar as taxas de juro e o câmbio do euro.
Por cá, o paternalismo de Estado em matéria de juros é defendido por Paulo Portas e Francisco Louçã. Este último quer que o Estado proteja as famílias portuguesas da “violência dos juros”. E Portas questionou o Governo sobre as medidas que iria tomar para travar a escalada dos juros.
Convém lembrar que os juros ainda não atingiram níveis que se possam considerar historicamente elevados. Eles estiveram, isso sim, a níveis baixíssimos entre 2001 e 2006. Curiosamente, a fase dos juros negativos (inferiores à inflação) coincidiu com a quase estagnação da economia portuguesa. E o investimento empresarial só agora, já com os juros a subirem, dá tímidos sinais de animação. Ou seja, a importância dos juros para o crescimento económico é sobrestimada.
Claro que há inúmeras famílias portuguesas endividadas e aflitas com o pagamento dos juros. É um problema real, mas não se pode falar aí de qualquer surpresa. Só um louco esperaria que as taxas de juro se mantivessem a pouco mais de 2 por cento, como esteve a Euribor durante quase três anos. Aliás, há muito que o Banco de Portugal obriga os bancos a apresentarem simulações de subidas de juros a quem pede um empréstimo.
Não poderia o Governo ter feito alguma coisa para evitar os actuais apertos das famílias endividadas? Claro que sim – este Governo e os anteriores. Não se trata de bramar contra a independência dos bancos centrais ou de dar dinheiro dos contribuintes a quem se endividou e hoje está atrapalhado. O que não se fez, e devia ter feito, foi relançar o mercado de arrendamento.
Mais de três quartos do endividamento dos particulares, em Portugal, têm a ver com crédito para compra de casa. Pela simples razão de que, com as rendas congeladas ou quase, há muito deixou de haver casas para alugar. Para a maioria dos portugueses, a única hipótese de ter casa é, assim, comprá-la a crédito. Por isso o crédito à habitação continua a crescer.
Algo economicamente absurdo, pois muitas famílias não são “solventes” – em condições normais de crédito não têm rendimentos para pagar os juros e as amortizações dos empréstimos. Os juros de há anos eram excepcionais.
O governo espanhol já anunciou incentivos para estimular o aluguer de habitações, sendo que a lei do arrendamento em Espanha nem por sombras é tão bloqueadora como a nossa. Mas, entre nós, a falta de coragem ainda não permitiu atacar o problema nas suas causas. Agora, aí está a factura. A pagar por muitas famílias.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista Obs: Diria duas coisas. Ainda está para vir o dia em que o Francisco escreve um artigo razoável, todos os que lhe conheço são bons. A 2ª consideração remete para o seguinte: se um dia o Francisco for convidado para o governo para a área da Habitação - estou em crer que irá atacar de frente o congelamento do mercado de arrendamento, hoje práticamente inexistente. Talvez assim o crédito à habitação parasse de subir e as famílias portugueses não andassem tanto aos "ais". O problema é que o crédito que contraem junto da banca não é só para a compra de habitação, mas para o carro, as férias no Brasil, os electrodomésticos, as roupas, os brinquedos, os perfumes, os CDs, o consumo em geral. Só não é para aquisição de Portáteis, pois consta por aí que o governo agora anda a dá-los. A dá-los!!!! Dá-los...
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