quinta-feira

A morte de Pavarotti. A miséria da vida - o nosso destino -

Carlos Drummond: Morte do Leiteiro. Aqui vemos a sua estátua em Copa Cabana
Hoje foi um dia triste porque faleceu um grande tenor, saberão isso quando um dia experimentarem fazer o que ele fez diante do espelho lá de casa, logo pela manhã. Mas a morte de alguém muito conhecido, pelo efeito mediático que gera e pela amplitude que produz em todo o mundo, assim como foi com a morte de Diana e de Ayrton de Sena, implica sempre um elevado grau de subjectivação. Todos nós podemos morrer ao volante, mas não necessáriamente a cantar. Mas aqui o ponto é outro, bem outro: o do fim, do nosso próprio fim, por isso também nos condoemos com a morte dos outros, sejam tenores, trolhas, pintores, pescadores ou autarcas, como que a preparar a nossa própria morte.
Ou seja, o Homem consegue esquecer algumas das suas inquietações, algumas das suas dívidas, frustrações, complexos, anormalidades, pode até adquirir uma calma que jamais supunha e experimentar uma felicidade verdadeira, mas quando morre alguém muito conhecido e com o qual ele - directa ou indirectamente - se identifica, não pode deixar de pensar na sua própria morte. E é aí que ele questiona a sua verdadeira razão de ser. Por isso, se preocupa tanto com a morte dos outros, ainda que não tenha conhecido Pavarotti, Sena ou Diana pessoalmente.
Somos assim mesmo, procuramos expiar os nossos medos chorando o fim dos outros, ainda que nesse trajecto esteja em curso a preparação geral para o fim de todos nós. Porque todos nós um dia, mesmo sem termos cantado Ópera - também lá iremos parar. Sem glória, de forma anónima - mas com a "música" que cá deixámos aqueles que um dia também partirão.
Tudo é, afinal, temporário. Até o tempo que nos é consagrado viver, alterado consoante uma lei natural que nunca conhecemos antecipadamente. A morte vem colocar o grande problema da Humanidade: a ideia de que o mundo é vasto e o nosso poder limitado.
Por vezes, até é bom não termos amigos para não sentirmos - em vida - a nossa própria morte. Tendo-os, morreremos na mesma e mais depressa...