sexta-feira

IMAGINAÇÃO FÉRTIL - por António Vitorino -

António Vitorino
jurista
Faz parte da nossa cultura comum invocar efemérides. Fazemo-lo nalguns casos com agrado e noutros com pesar. Mas manter certas memórias vivas é importante para percebermos o sentido da vida. Esta semana pretendia invocar mais uma vez os atentados de Washington e New York de 11 de Setembro. Para recordar que passam seis anos sobre aqueles trágicos acontecimentos que mudaram muitas das referências da nossa vida colectiva.
Ora esta semana mesmo, primeiro na Dinamarca e depois na Alemanha, sucederam-se duas operações policiais de grande envergadura que, desde logo, mostram que passados seis anos a ameaça terrorista global se mantém bem presente.
O caso alemão é, a este propósito, muito significativo. Por um lado, porque se trata da primeira ocorrência de larga escala na Alemanha, provavelmente só comparável com os atentados abortados no Verão passado, no Reino Unido, contra dez aviões que faziam a ligação aérea entre Londres e os EUA. Em segundo lugar, porque a matriz de preparação é decalcada dos atentados de Londres de Julho de 2005: desta feita os terroristas recolheram 680 quilos de peróxido de hidrogénio, exactamente o mesmo tipo de substância de base para fabrico de explosivos usado na capital britânica mas cujo potencial de explosão seria em princípio superior aos dos anteriores atentados de Madrid e de Londres. Em terceiro lugar, os operacionais mais destacados eram cidadãos alemães de origem, convertidos a uma leitura radical do islamismo, bem como um outro ao que parece de origem turca. Ou seja, pessoas inseridas na sociedade alemã que enveredaram por um processo de radicalização que os levou à preparação deste tipo de atentados.
Quanto aos alvos, mais uma vez instalações aeroportuárias (o colossal aeroporto de Frankfurt e uma base aérea americana situada na Alemanha), onde o impacto em número de vítimas e na diversidade nacional dessas vítimas está à partida garantido.
Finalmente, as próprias autoridades alemãs reconhecem que foi graças a uma eficaz cooperação internacional que foi possível detectar a existência desta célula terrorista e seguir os seus movimentos desde há vários meses por forma a poder intervir num momento em que as provas da preparação do atentado são já irrefutáveis mas antes de ele se ter efectivado. O sucesso da operação policial alemã confirma que a Europa continua a ser um campo de intervenção preferencial destes grupos terroristas inspirados no fundamentalismo islâmico. E que nenhum país está a salvo de ser visado pelas suas actividades.
A reincidência no uso do peróxido de hidrogénio e a circunstância de ter sido possível a esta célula terrorista durante alguns meses recolher e armazenar uma quantidade tão significativa daquela substância-base para o fabrico de explosivos é, contudo, um sério motivo de preocupação. Isso significa que as medidas de controlo de explosivos tomadas no âmbito da União Europeia após os atentados de Madrid de 2004 não foram suficientes e que o espectro deste domínio de prevenção terá de ser alargado para além dos explosivos propriamente ditos e passando a incluir também um vasto leque de componentes essenciais para o seu fabrico, designadamente produtos químicos utilizados para diversas outras finalidades.
Este novo desafio vai provocar novos incómodos e vai exigir uma participação mais activa de produtores, distribuidores e comerciantes de produtos químicos no controlo dos respectivos circuitos. Mas neste plano nenhuma negligência pode ser consentida nem nenhuma ingenuidade pode ser admitida.
É verdade, por isso, que comparando com a dimensão deste desafio as regras de controlo de líquidos nas bagagens de mão dos passageiros dos aviões parece uma questão menor.
Mas a exigência de revogação dessas medidas votada esta semana pelo Parlamento Europeu aponta no sentido errado: o sinal não pode ser o do facilitismo, mas antes o de reforçar as prioridades essenciais no combate ao terrorismo. É que a ameaça permanece elevada e o engenho e a imaginação dos terroristas é infelizmente fértil!"
Obs: Através da recuperação da memória - passando em revista o terrorismo na Europa - António Vitorino ajuda-nos a concluir uma verdade (tão dura quanto fatal) dos tempos:
Si vis pacem, para bellum.
Ou seja, se queres a paz prepara-te para a guerra. E a cooperação a todos os níveis ainda é o meio mais eficaz de prevenir inúmeros atentados por parte dos chamados sistemas da morte que fazem desse método uma estranha forma de fazer política.