terça-feira

Política externa e poder militar - por Francisco Sarsfield Cabral -

Politica externa e poder militar
(in Público, 30 JUlho, 07)
Blair estreou-se há dias no Médio Oriente como enviado do “Quarteto” (EUA, UE, ONU e Rússia). Uma ideia bizarra, esta de escolher um político tão marcado pelo desastre no Iraque para ajudar os palestinianos da Fatah a construírem instituições políticas. Mas do que se trata, de facto, é de promover o projecto de Bush de organizar uma conferência de paz no Outono. Uma iniciativa sem condições de êxito, mas que dará a ilusão de que Bush se interessa pelo Médio Oriente. Região onde a UE, principal fonte de ajuda financeira à Palestina, é quase irrelevante, porque não tem uma política externa.
Houve progressos na convergência das posições externas dos Estados membros da UE. A cooperação entre as diplomacias nacionais, lançada há mais de trinta anos, era já intensa na década de 80. Hoje facilitada pela internet, essa coordenação permite numerosas posições comuns.
Mas viram-se as divergências na UE quanto à invasão do Iraque. E os desentendimentos actuais sobre a maneira de lidar com a Rússia ou quanto ao futuro do Kosovo.
Nada mais natural: a UE não é um super-Estado e os seus membros têm histórias e geografias diversas. África interessa mais a Portugal do que à Dinamarca, por exemplo. Inversamente, a política de Moscovo preocupa mais os países bálticos do que inquieta Portugal ou Espanha. E não consta que a França ou o Reino Unido se disponham a abdicar em favor da UE do lugar de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Um outro factor, mais sério, limita a afirmação internacional da UE: a sua debilidade militar. Em percentagem do PIB, os europeus gastam na defesa cerca de metade do que os americanos. E gastam mal, duplicando investimentos e sem harmonizarem os equipamentos das várias forças nacionais. Em parte por isso, continua a faltar um mercado comum nas indústrias europeias de defesa, como assinala José Manuel Rolo (O Regresso às Armas – Tendências das indústrias de defesa, Ed. Cosmos, 2006).
A UE orgulha-se, com razão, do seu “soft power”. Ou seja, da sua capacidade para influenciar terceiros com a mera perspectiva de uma futura adesão ao clube. Vejam-se as reformas dos países do Leste europeu. Ou a abolição da pena de morte na Turquia.
Mas sem “hard power”, força militar, a UE conta pouco na cena internacional. E “hard power” é sobretudo capacidade logística de projecção de forças. Na década de 90 um contingente militar francês teve de ser transportado para a ex-Jugoslávia num barco de cruzeiros no Mediterrâneo...
A fraqueza militar da UE dificulta eventuais intervenções pacificadoras em áreas bem mais próximas da Europa do que dos EUA. Mas os europeus habituaram-se à comodidade de confiarem o essencial da sua defesa aos americanos. É barato, numa altura em que aumentam as dificuldades financeiras dos Estados, decorrentes do envelhecimento da população europeia.
Há anos parecia que a França e o Reino Unido, as duas potências nucleares da UE, iriam impulsionar a defesa europeia. Mas tudo tem andado a passo de caracol. O que nem desagrada aos americanos. Estes incitam os europeus a investirem mais na defesa (o conhecido “burden sharing”), mas ficam nervosos sempre que uma iniciativa europeia possa beliscar as competências da NATO.
Vivendo sem guerra desde há mais de 60 anos (tirando os conflitos na ex-Jugoslávia), os europeus perderam a noção de que o mundo ainda não atingiu a “paz perpétua” de Kant. Desvalorizam, por isso, o papel das Forças Armadas.
Sobretudo em Portugal. A guerra colonial não deixou boas recordações, nem quando terminou. Uma vez na Europa comunitária, o país deixou felizmente de se preocupar com a hipótese de um golpe militar – como antes houve dezenas, culminando no 25 de Abril de 1974. Os militares perderam importância na opinião pública portuguesa, o que se reflecte no seu orçamento.
Daí as aflições em matéria de equipamento quando partem missões para o estrangeiros (há militares portugueses em oito teatros de operações fora do país). Muita gente pensa que os gastos na defesa são puro desperdício. E gostaria, até, de viver sem Forças Armadas, apenas com a GNR e a PSP, como a Costa Rica.
Os nossos políticos raramente se empenham em desmontar esta perigosa fantasia. A atitude pedagógica do Presidente da República, em particular nas celebrações do 10 de Junho, continua uma excepção. Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: O Francisco tem razão, o problema é dotar a Europa desse orçamento de segurança & defesa para criar uma logística de guerra autónoma dos EUA - a quem hoje pagamos esse serviço, e que desequilibra a correlação de forças políticas e militares entre os dois lados do Atlântico. Ainda por cima envolver o Blair no ninho de cobras que é o crónico e secular conflito israelo-árabel é um pouco como convidar o Zé Durão Barroso (conhecido pela couve de Bruxelas) para amanhã dar uma conferência sobre ética política e a moralidade na vida pública. Parece que já vi bombeiros apagando incêndios com gasolina de avião...