segunda-feira

Os partidos e a liberdade de informação - por Francisco Sarsfield Cabral -

Os partidos e a liberdade de informação (in Público)
Na comunicação social “a fúria legislativa não pára”, disse Francisco P. Balsemão no passado dia 3. E explicitou: “O Governo propõe e o Parlamento aprova regulamentações para todos os gostos e controlos rígidos, que vão desde a formação do capital das empresas, à programação das televisões, a quem pode ou não pode ser director de um jornal, aos estatutos editoriais, aos códigos de conduta jornalística, aos livros de estilo, e aos próprios conteúdos, constantemente monitorizados por uma Entidade Reguladora à qual sucessivas leis concedem poderes acrescidos”.
Os protestos não se limitaram a um empresário da comunicação social, como é F. Balsemão. Vieram a lume queixas dos bispos católicos. E um abaixo-assinado de centenas de jornalistas, que também subscrevi, afirma estar em curso “o mais violento ataque à liberdade de imprensa em 33 anos”.
No Diário de Notícias do passado dia 12 o seu Director denunciou o “assalto à liberdade de imprensa que está à vista no edifício legislativo construído nos últimos anos”. E, no mesmo jornal, o Director do Jornal de Notícias alertou para que “os legisladores não podem aproveitar os erros cometidos (pelos jornalistas portugueses) para nos conduzirem para um jornalismo de cócoras, atento, obediente e obrigado a quem tem poder”.
Muitas outras críticas se poderiam citar, como as deste jornal, o Público. Estará, então, a classe jornalística nacional acometida de uma mania da perseguição? Ou de um reflexo corporativo exacerbado? Talvez o Governo e quem o defende nesta área o pensem. Mas há, de facto, matéria para preocupação.
Com certeza que não faz sentido falar em censura. Quem, como é o meu caso, foi jornalista ainda no tempo da verdadeira censura, sabe que não há comparação possível com a situação actual. Exageros deste tipo são contraproducentes, pois retiram credibilidade às críticas.
Também julgo detestável o espírito corporativo do jornalista que reprova tudo e todos, mas se acha imune à crítica; que considera o direito de informar e de ser informado um direito absoluto, sem limites; e que não reconhece os erros, nomeadamente deontológicos, que se multiplicam nos média nacionais.
Dito isto, não é possível encarar sem alarme a “fúria legislativa” de que falava F. Balsemão. Repare-se no extraordinário título da mais recente iniciativa: “Anteprojecto de proposta de lei que promove o pluralismo, a independência perante o poder político e económico, a transparência e a não concentração da titularidade nos meios de comunicação social”. O articulado do diploma não é melhor.
Sem entrar em processos de intenção sobre as motivações desta catadupa de regulamentações, o resultado dela traduz-se num abusivo condicionamento do jornalismo em Portugal. Curiosamente, a maior parte da oposição em geral e o PSD em particular, tão lestos em denunciar (muitas vezes com razão) a deriva autoritária e intimidatória do Governo na função pública, mantiveram quanto à comunicação social uma atitude bem mais discreta.
Que o PS se sinta obrigado a apoiar o Governo e tenha deixado de ser o “partido da liberdade”, é lamentável mas ainda se compreende. O poder corrompe... Mas porque se alheiam os partidos da oposição quando se trata da liberdade de informação?
Porque os partidos, hoje, são essencialmente máquinas de empregar filiados e amigos. Se o partido no poder nomeia gente sua para lugares no Estado, logo a oposição vem berrar para a praça pública, pois tal significa tirar oportunidades de emprego “aos nossos”. Aí, os partidos reagem com ferocidade.
Tratando-se da comunicação social, o assunto excita-os menos, excepto para reclamarem tempo de antena e cobertura jornalística favorável. Como os principais partidos já não lutam por concepções ideológicas diferenciadas, o debate de ideias nos média não lhes interessa. Importa-lhes, isso sim, aparecer na comunicação social porque daí esperam retirar votos ou boas posições nas sondagens.
De resto, a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) sucedeu à desacreditada Alta Autoridade com os votos do PS e do PSD. Os excessivos poderes da ERC também são responsabilidade do PSD. O que permite uma interpretação pouco simpática: aos partidos do bloco central não convém uma comunicação social plenamente livre porque, quando estão no governo, o jornalismo independente os incomoda.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Mais um artigo do Francisco que merece meditação pela sociedade, pelo governo e pela oposição no seu conjunto, mormente por parte do PSD que quando está no governo também não resiste a essa tentação de condicionamento e de manipulação. Contudo, quer-me parecer que a ERC qualquer dia manda mais do que o próprio governo, e este - aparte os casos conhecidos das "DRENS" que pululam por aí, deverá fazer algumas correcções sob pena de ser acusado de verdadeiramente condicionar a produção de informação em Portugal. E tal nem sequer decorre das preocupações do empresário de comunicação Balsemão - que, consabidamente, enche o seu Expresso com manchetes do PsD marginalizando as notícias referentes ao governo, o que acaba por não ser exemplo de jornalismo isento e imparcial. Seja como for o Francisco tem razão neste grito de alerta, por isso governo, sociedade e operadores devem em conjunto meditar nele e agir em conformidade. Assim, todos perdemos, e não é esse o objectivo, certamente.