José Miguel Júdice parte a espinha ao PsD e CDS/PP; PSD hoje, por Vasco Pulido Valente
NOTA PRÉVIA DO MACRO:
DOIS ARTIGOS QUE PARTEM A ESPINHA AO POUCO QUE RESTA DUMA DIREITA DEFUNTA NA VALETA DO CEMITÉRIO - ENTRE A S. CAETANO À LAPA E O LARGO DO CALDAS HOJE AFLITO COM FINANCIAMENTOS ILÍCITOS AO CDS/PP. CURIOSAMENTE PENSADOS E ESCRITOS POR DOIS HOMENS DE DIREITA QUE ATÉ JÁ MILITARAM NO PSD. VEJAMOS O DESASTRE..
Pensamentos heréticos sobre a direita (Público assinantes)
20.07.2007, José Miguel Júdice
A evolução da sociedade portuguesa nos últimos 30 anos não foi acompanhada pela adaptação dos partidos políticos Deus enlouquece os que quer perder, diziam os antigos. É talvez exagerado: Deus é Pai e especializou-se até a pôr a mão por baixo, pelo menos ao menino e ao borracho. Mas, ao ver o que aconteceu a Marques Mendes e a Paulo Portas, lamento dizer que desceu sobre mim uma pulsão escatológica como raras vezes senti. E o facto é que, por erros e má fortuna (por amor ardente parece-me que não), os dois partidos da área da direita e do centro-direita chegaram praticamente ao grau zero da sua eficácia e do seu prestígio. Continua, evidentemente, a haver uma grande percentagem de portugueses que, se e quando votarem, porão a cruzinha num desses partidos. Mas é cada vez mais difícil encontrar alguém que, enchendo o peito de ar, ufano e orgulhoso, nos anuncie que votou num desses partidos. Se a culpa fosse dos dois líderes que foram sufragados pelos militantes, a solução era fácil. Substituem-se os líderes e, de novo, o horizonte se encherá de luz e brilhos, multidões encantadas se reuniriam e aos magotes ir-se-iam inscrever para salvar a Pátria, vestidos de laranja ou da cor que o CDS na ocasião esteja a usar. Infelizmente não é assim. A evolução da sociedade portuguesa nos últimos 30 anos não foi acompanhada pela adaptação dos partidos políticos, que se mantiveram formalmente fiéis a códigos ideológicos que fizeram parte do seu momento genético, aliás em regra para mais facilmente os tripudiarem no dia-a-dia. Para agravar as coisas, o PS chegou-se ao centro com Guterres, continuou a fazê-lo com Sócrates e está a evoluir no sentido de um partido pós-social-democrata (tema a que dedicarei qualquer dia uma destas crónicas), numa linha de "liberalismo avançado" que, há mais de 25 anos, teorizei como a estrutura central do pensamento político de Sá Carneiro. Perante isto, o PSD continuou preso das suas contradições, como partido da direita sociológica, com uma ideologia de referência social-democrata e de centro-esquerda e uma prática política oportunista. E o CDS, depois de uma tentativa de se afirmar como um partido de direita, pôs-se a caminho da área central, procurando competir num território já muito ocupado, como as consequências que se conhecem. Que fazer?, diria Lenine, e digo eu. Quanto a mim, em primeiro lugar, constatar o fracasso inexorável dos projectos partidários que historicamente tentaram representar a direita sociológica - e por vezes o fizeram bem, ou mesmo muito bem, em função de cada conjuntura. Reconhecer que esses partidos não são reformáveis, pois as clientelas que os ocuparam nunca abrirão as portas à mudança. Assumir que o melhor das ideias e das pessoas que fazem hoje o pensamento não-socialista em Portugal se não revêem nesses partidos, que por eles são rejeitados e que de tais partidos não sai uma ideia capaz de funcionar como alternativa diferenciadora em relação à prática de Sócrates. Depois, fazer o que já foi feito noutros lados: fundir esses dois partidos, também com movimentos, entidades e grupos de pessoas que tenham uma posição não-socialista e que queiram representar a metade direita do espectro político-sociológico português. Com esse processo de fusão, gerar um corpo doutrinário e um programa político que estejam em sintonia com os sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa, como no seu tempo foi capaz de estar o PSD e até o CDS.Não se trata de absorver no PSD tudo o que mexe. Isso foi tentado no tempo de Cavaco Silva, sem utilidade que não fosse a governabilidade. Não, do que se trata é realmente de criar um novo partido político, como, por exemplo, Mitterrand e Sarkozy fizeram em França, permitindo assim assegurar depois vitórias políticas: o PSF foi o resultado de uma fusão à esquerda em que a velhinha SFIO foi um parceiro que forneceu tropas e pouco mais e em que a liderança foi assegurada por Mitterrand, que vinha de um micropartido de centro-esquerda. A UMP, pelo seu lado, foi o resultado da fusão entre os gaullistas chiraquianos, a UDF e certos radicais, e foi conquistada à la hussarde por Sarkozy, para ser a base da sua vitória recente. E em Itália e Espanha também há exemplos conhecidos, até actualmente em curso, no caso da esquerda italiana. Como acontece em qualquer fusão entre empresas, alguns quadros não aceitarão integrar-se, o que será até uma forma de facilitar o aparecimento de novos valores. Muitos dos que recusarão estão, ainda, no PSD e não se revêem numa viragem ideológica para a direita, onde está o eleitorado do PSD. É natural e compreensível que se afastem. Percebo-os muito bem, se o fizerem, mas a saúde do sistema político exige hoje que os dirigentes políticos se sintonizem à direita com o seu eleitorado e deixem de pensar que - não havendo alternativa melhor - a direita neles votará em qualquer caso.Claro que há sempre o amor à camisola de honrados e generosos militantes. Conheci muitos que, se lessem este texto escrito por quem consideram provavelmente um apóstata, sofreriam sinceramente e jurariam que o PSD é eterno, que se mudarem de líder tudo será diferente e em 2009 lá estarão a comemorar a vitória. Eu sei. Em Bizâncio, em 1453, também havia disso quando chegaram os turcos.
Advogado
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O PSD hoje
20.07.2007, Vasco Pulido Valente
Meia dúzia de velhos nomes do cavaquismo resolveram dar o seu apoio a Marques Mendes: Valente de Oliveira, Eduardo Catroga, Teresa Gouveia, Silva Peneda e Carlos Pimenta. E, com eles, vieram o dr. Encarnação, de Coimbra, a dra. Damasceno, de Leiria, e o presidente da Associação Nacional de Municípios. À primeira vista, parece muito. De facto, não é nada. Os "notáveis" não têm a mais vaga influência no partido e a gente das câmaras não manda muito para lá do seu pequeno território. De resto, não se esperaria outra atitude da parte "respeitável" do PSD senão que rejeitasse Menezes. Mas se, antigamente, a desaprovação da "classe de governo" do PSD valia alguma coisa, o que pensa hoje um clube de reformados, quase todos pelos 60 anos, não impressiona com certeza ninguém.O mundo do PSD é agora um mundo sem passado, uma tábua rasa. Primeiro, porque o tempo de Cavaco acabou para sempre e se tornou numa espécie de curiosidade histórica mal conhecida e pouco lembrada. Segundo, porque a própria noção de carreira e de currículo (e, no fundo, de responsabilidade) deixou de contar. Os ministros de Barroso, que assistiram sem protesto à fuga do chefe, não se acham diminuídos. Pelo contrário: aquela vergonha não os tocou e continuam a esperar (como Sarmento e Arnaut) uma nova oportunidade. Santana, esse, que presidiu ao maior desastre do partido, "anda por aí" de boa consciência, com a absurda ideia de "voltar". Menezes pretende seriamente ser primeiro-ministro. E consta que também Aguiar Branco. Já não há senso, nem centro, nem medida. Este corpo a corpo não beneficia Marques Mendes, que representa ainda um vestígio de ordem e de hierarquia. A eleição directa não pode, e não irá, "unificar" e disciplinar o partido. Para isso, era preciso que inspirasse um respeito que não inspira. No dia seguinte, como já sucedeu, recomeça a guerra interna com qualquer absurdo pretexto ou mesmo sem pretexto nenhum. A verdade é que o PSD falhou a sucessão de Cavaco e está sem destino na sociedade portuguesa. Infelizmente, a crise ideológica e programática, de que Marques Mendes foi o reflexo e não a causa, não se cura pela manobra e pela intriga. Nem pela intervenção de um homem providencial, como no mítico congresso da Figueira da Foz. Só se aprende com a experiência e o desespero; e o PSD, por enquanto, nem consegue ver (e menos pensar) a triste realidade da sua situação.
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