segunda-feira

A presidência portuguesa da UE

Estamos a menos de um mês de Portugal assumir a presidência rotativa da UE, o que prova, à partida, que existe democracia formal nessa constelação jurídico-político que não é uma federação nem um super-Estado, mas sim um tercium genius.
Os grandes Estados, detentores de grande poder, autoridade e influência no xadrez internacional podem dar-se ao luxo de lançar grandes reformas que, em inúmeros casos, têm redundado em falhanços europeus - visíveis no actual declínio económico, social e político que tolhe o Velho Continente - a 27 Estados. Os pequenos Estados como Portugal - que não dispõem daqueles avolumados recursos em poder, influência e meios económicos têm de seguir outra via, i.é, têm de saber afirmar-se diplomáticamente.
Consequentemente, daqui decorre uma conclusão prévia: os grandes Estados podem dar-se ao luxo de falhar nas reformas que intentam realizar ou esboçar (para a presidência seguinte), enquanto que os pequenos Estados - como Portugal - têm, necessáriamente, de afirmar-se como grandes potências diplomáticas, embora já não estejamos no séc. XIX pautado pela corrida a África - em busca de matérias-primas e de mão-de-obra escrava que alimentaram os impérios europeus caídos no post-II Guerra Mundial, apesar de aqui Portugal não ter sido um exemplo, já que foi dos primeiros a ir para África mas também foi, mercê da política salazarista em matéria de colónias africanas, o último a sair, facto que teve consequências sociais e humanas verdadeiramente dramáticas em Portugal e no nosso modelo de desenvolvimento colectivo cuja factura hoje estamos a pagar, e com juros pesados...
Ante este quadro de forças, do qual dificilmente saímos, o que nos resta? Sermos grandes potências é irrealista; sermos pequenos mas capazes de afirmarmos valores e ideais - é igualmente realista, mas uma opção mais consentânea com o poder e a geometria do nosso rectângulo. Talvez seja este circunstancialismo que ajude a perceber a razão pela qual Portugal se irá "atirar" à agenda dos direitos humanos, para variar..., e sugerir esse approach aos 27 Estados-membros no quadro do Conselho da UE que liderará esse processo de decisão comunitária.
Já sabemos que há bloqueios ao nível do processo de tomada de decisão das instituições comunitárias, e que o mordomo-mor da UE, Zé Barroso, não pode nem consegue inovar nesse capítulo, resta-nos fazer umas conferências, promover umas reuniões entre diplomatas, ministros dos negócios estrangeiros, lobistas e, claro, jornalistas. Mas de pouco ou nada servirá andarmos por aí a levantar a questão dos direitos humanos, qual D. Quixote, como parece figurar no agenda-setting da presidência portuguesa, se, depois, países como a Rússia continuam a matar ou a mandar executar - por via de envenenamento - jornalistas mais afoitos que resolvam denunciar os pecadilhos do regime e a ausência de uma autêntica democracia pluralista dentro das fronteiras da Rússia - the little empire do Sr. ex-KGB - Putin que com o cowboy da casa Branca parecem querer reeditar uma versão rasca da Guerra Fria neste 1º quartel do III milénio.
Presumo que a estratégica (dos direitos humanos) poderá ter algum efeito diplomático ao nível duma Cimeira UE-África, a realizar em Lisboa, lá pelo Natal, frequentada até por aqueles líderes africanos que da democracia só ouviram o nome, mas, na prática, espezinham-na todos os dias: matando, massacrando, torturando, subdesenvolvendo. Aqui Angola também tem as suas mãos sujas de sangue e petróleo enquanto o povo miserável, extropiado e andrajoso arrasta-se pelas valetas nos subúrbios de Luanda em bairros sem água, electricidade, alimentos, condições sanitárias e básicas de saúde pública e o mais. Ante este quadro aflitivo - valerá a pena falar de direitos humanos?! Talvez... Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura, como diz o ditado.
Mas será que Portugal tem plena legitimidade para impôr a terceiros a sua moral política? E como Portugal tem tratado os seus imigrantes? Além dos seus próprios filhos.. Aqui, em maior ou menor intensidade, todos temos telhados de vidro. Foi, aliás, isso que Socas disse a Putin quando foi à Rússia a semana passada. O caso da srª dona da DREN, por outro lado, é um péssimo exemplo digno dum país africano em matéria de funcionamento da Administração Pública. E, ainda por cima, teve a cumplicidade do PM que cobriu a parada, o que é profundamente lamentável. Por isso, não nos admiremos que algum diplomata dos Camarões, do Burkina Fasso ou até de Angola (mais perto do nosso espaço de influência cultural) nos recorde isso nalgum momento de maior crispação que, porventura, possa ocorrer no decurso desse parto de seis meses.
Mas isto não explica o núcleo daquilo que deverá ou poderá ser as nossas prioridades na gestão política da presidência da UE. E é aqui que entram três variáveis cruciais que importa avaliar, aprimorar e desenvolver:
1. O reforço da integração económica europeia - necessária para a saúde de todos e de cada um dos Estados-membros, sem a qual não haverá desenvolvimento, justiça, paz e coesão sociais;
2. Desenvolver uma agenda ambiciosa no plano externo - capaz de consolidar aquele objectivo interno mas de efeito estratégico;
3. E o relançamento da reforma política por onde passará a adaptação e calibragem das instituições e procedimentos políticos europeus - que hoje entravam os mecanismos de decisão comunitários e tornam a Europa um mastodonte sem flexibilidade e agilidade indispensável aos tempos de globalaização competitiva - ante uma China e Índia - fábrica e escritório do mundo cada vez mais concorrenciais no mercado global.
Será aqui que residirá o calcanhar de aquiles da presidência portuguesa da UE, o resto será paisagem mitigado com muitas conferências de imprensa. Ou seja, muita coisa poderá passar pelo aprofundamento dos princípios-guia estabelecidos na Estratégia de Lisboa - concebida e gerida por António Guterres em 2000 - cujos pressupostos têm até alavancado certas medidas tomada por Sócrates em matéria de sociedade da informação e do conhecimento visando a generalização da utilização da informática e da Internet na sociedade portuguesa.
Poderemos ainda olhar atentamente para o Brasil, fazer aí mais umas parcerias, uns protocolos, uns negócios - metendo nesse saco a China e a Índia - que o PR visitou recentemente - a fim de alargar esse quadro de cooperação económica da UE.
Creio que o desenvolvimento dum approach de direitos humanos terá alguma valia, apesar da ética render pouco no mercado político, mas o núcleo da nossa presidência dependerá, certamente, da eficiência e eficácia política com que consigamos apresentar, gerir e fazer aprovar as nossas perspectivas sobre aquela troika de questões essenciais a Portugal e ao quadro de desenvolvimento da UE no seu conjunto.