segunda-feira

Alvos errados - por Francisco Sarsfield Cabral

Nota prévia:
Cinco boas razões para ler este artigo do Francisco Sarsfield Cabral. Evidencia as vantagens da Globalização Feliz e mostra como o seu passivo humano seria mais trágico em todo o mundo se não existisse esse processo multidimensional que responde nome de Globalização competitiva (nesta sua fase mais madura). Há, pois, que humanizar a "besta", o que significa "regulamentar" e humanizar o processo em cada um desses países e no seio do próprio sistema internacional.
(in Público, 11.06.2007)
Alvos errados
Desde há oito anos que as grandes reuniões internacionais são palco de violentas manifestações de adversários da globalização. Aconteceu agora, na Alemanha, a pretexto do G8.
Essas manifestações, altamente mediáticas, enganam-se nos alvos. Primeiro erro: dizem combater a pobreza, mas ignoram o que a globalização já contribuiu para reduzir a miséria no mundo.
No último quarto de século muito mais gente escapou à pobreza do que em qualquer outra época da história. Repetiu esta verdade na New York Review de 31 de Maio o jornalista do New York Times Nicholas Kristoff. Autor e publicações que não são propriamente neoliberais. Aliás, repare-se em África, continente que tem passado ao lado da globalização: aí, o número de pobres duplicou no último quarto de século. Tomaram os africanos ser explorados pelas multinacionais...
Entre 1980 e o início deste século a pobreza mundial foi reduzida para quase metade. 400 milhões de pessoas ultrapassaram o rendimento de um dólar por dia, indicador da pobreza extrema. Grande parte dos que escaparam à fome eram asiáticos e sobretudo chineses.
Porquê? Porque a China entrou em força no mercado mundial, acelerando o seu crescimento económico.
Esta boa notícia provocou pânico em muita gente no mundo desenvolvido. Face à concorrência asiática em geral e chinesa em particular, multiplicaram-se as reacções proteccionistas.
Às vezes com a hipocrisia de invocar bons sentimentos, como preocupação com a falta de direitos sociais nos países pobres. Considerando concorrência desleal a que surge de quem não goza dos direitos sociais correntes no mundo desenvolvido, alguns querem fechar os seus mercados aos países pobres. Afinal, pretendem defender, não os pobres, mas os ricos, do chamado dumping social.
É outro erro crasso. Como se viu, por exemplo, na Coreia do Sul, a maneira dos povos ganharem direitos sociais, incluindo um melhor salário, está em dar-lhes acesso aos mercados dos países desenvolvidos. Como em editorial do PÚBLICO, há uma semana, notava Paulo Ferreira, fechar os mercados aos países em desenvolvimento “seria dramático para milhões de pessoas”.
Decerto que a globalização é um factor, a par de outros (como as novas tecnologias e a crescente mediatização), que nas últimas décadas tem aumentado as desigualdades no interior dos países ricos. Mas seria imoral, alem de estúpido, combater essa tendência negativa mantendo na miséria os mais pobres do universo.
É obviamente um escândalo que, por dia, morram 30 mil crianças, vítimas da pobreza. Só que travar a globalização faria regressar esse número a níveis ainda mais trágicos.
Os contestatários da globalização também se enganam no alvo ao assestarem baterias contra as organizações internacionais. Claro que essas organizações precisam de reformas. Mas destruí-las, sem mais, apenas faria o jogo dos países mais poderosos, que não precisam de organizações multilaterais para imporem os seus interesses. Quem precisa delas são os mais fracos.
O quarto erro dos que berram contra a globalização está em que, sendo anti-capitalistas, não apresentam alternativas pela positiva. Foi já um avanço abandonarem o objectivo impossível de acabarem com a globalização (a face actual do capitalismo, no fundo o alvo dos seus ódios). Passaram a falar “noutra” globalização. Mas os alter-mundialistas pouco mais trouxeram para o debate do que a taxa sobre transacções financeiras, sugerida há 28 anos pelo falecido economista Tobin num contexto muito diferente.
No meio deste folclore, escapa o essencial: impedir que o poder económico prevaleça sobre o poder político, tirando significado à democracia. Os gestores dão contas aos accionistas (quando dão), não respondem perante os eleitores.
Garantir o primado da política implica reforçar o direito e as organizações internacionais. E exige uma concertação dos dirigentes políticos mundiais. É tarefa prioritária neste século.
O quinto erro dos contestatários é o seguinte: as insuficiências e as injustiças do capitalismo global combatem-se com maior eficácia através de iniciativas práticas (como o microcrédito lançado pelo “Banco dos pobres”) do que apelando a um outro sistema, que ninguém sabe o que é. Mas isso não entusiasma os opositores da globalização. Não dá para atirar pedras à polícia.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Divulgue-se pelo manifesto interesse público, no Público.