sexta-feira

Perplexidades - por António Vitorino -

PERPLEXIDADES António Vitorino
jurista
A vida internacional conhece várias reuniões cujos resultados nos levam a perguntar porque é que chegaram mesmo a ter lugar. Por contraponto, outras reuniões produzem conclusões que acabam por fazer sentir os seus efeitos durante vários anos. Mas, na maioria das ocasiões, no fim dos encontros internacionais não sabemos como catalogar os seus resultados, tão pesado é o cinismo ou a reserva mental dos seus protagonistas.
Confesso que no momento em que escrevo não sei como qualificar a Cimeira do G8 realizada na Alemanha.
O tema central dos debates foi o ambiente. Tema que, por si só, merece a melhor das atenções da parte do comum dos cidadãos, na medida em que este é um dos domínios onde é mais urgente agir em nome do interesse colectivo.
Acresce que no caminho para a Cimeira veio do outro lado do Atlântico um sinal encorajador: com efeito num discurso recente o Presidente Bush reconheceu a necessidade de tomar medidas que fizessem face aos efeitos do aquecimento global e das inerentes alterações climáticas. Para quem há poucos anos atrás negava o fundamento cientifico das teses sobre as alterações climáticas, esta preocupação assim expressa representa uma significativa evolução da posição norte-americana.
Ora, na realidade, sem um sinal de abertura da parte dos Estados Unidos dificilmente se poderia encarar abrir a negociação de um quadro de referência universal que se suceda ao termo da aplicação do Protocolo de Kyoto, em 2012.
É bem verdade que nesse discurso o Presidente americano só colocou a questão da participação dos EUA numa solução global para o período pós-2012, mas também não se pode negar que vários dos subscritores do Protocolo de Kyoto (a União Europeia incluída) estão aquém das metas que haviam assumido, em termos de redução das emissões de gases com efeito estufa.
Na mesa da Cimeira do G8 vão estar presentes duas estratégias distintas quanto ao combate às alterações climáticas, que apresentam entre si pontos de convergência e de divergência. Mas a dificuldade resulta de que, naquilo em que há convergência, as alterações que se preconizam não dependem, em primeira linha, de decisões dos Estados, antes passam pela alteração de hábitos e regras de comportamento da vida colectiva. Naquilo em que divergem as posições, a questão central tem a ver com a escolha do nível apropriado para a tomada de decisões e com o tipo de metas e de forma de cumprimento dessas mesmas metas.
No primeiro aspecto está em causa, por um lado, a inovação tecnológica que torne formas de produção e produtos mais amigáveis do ambiente e, por outro lado, a adopção de comportamentos e de medidas de eficiência energética que passam tanto pelo modelos dos sistemas de transportes ou pelas regras de construção das habitações como pelas atitudes dos cidadãos na escolha das lâmpadas que usam em casa, na forma de utilização dos electrodomésticos ou na educação cívica das jovens gerações.
No segundo aspecto, a contraposição joga-se entre a vontade da União Europeia que a temática das alterações climáticas continue a ser tratada no quadro das Nações Unidas e a intenção americana de colocar a questão em sede de um diálogo confinado aos quinze países mais poluidores. Percebe-se a finalidade da proposta americana: trata-se de garantir que países em desenvolvimento, com um alto potencial poluidor, não fiquem de fora de uma solução, designadamente a Índia e a China.
Ora os europeus, por seu turno, partilham também desta preocupação de fazer participar esses países no acordo pós-Kyoto, entendendo, contudo, que tal objectivo poderá ser alcançado mais solidamente mantendo o tema ancorado no âmbito das Nações Unidas. Além de que, desta forma, provocarão menores desconfianças nos países em desenvolvimento que poderão recear um acordo forjado num grupo restrito, talhado à medida dos países mais poluidores, independentemente do seu estádio de desenvolvimento.
Do mesmo modo, as posições da UE e dos EUA distanciam-se também quanto à metodologia a seguir. Os europeus continuam a pensar que é preciso definir metas vinculativas (redução de 50% das emissões até 2050 com base nos dados de 1990) e sujeitas a um quadro de sanções para os incumpridores enquanto que, à partida, os americanos não pretendem a adopção de metas quantificadas sujeitas a vigilância de uma entidade exterior.
Com um quadro tão complexo e com diferenças de posição tão marcadas, que esperança podemos ter quanto às conclusões da Cimeira do G8?
  • Obs: o Sublinhado é nosso. Publique-se pelo seu valor acrescentando, pois trata-se duma "perplexidade" perplexizante.