sábado

Os dias seguintes - por António Vitorino -

OS DIAS SEGUINTES
António Vitorino
jurista
"Na passada quarta-feira realizou-se uma greve geral convocada pela CGTP e, como de costume, no dia seguinte, foram muito divergentes os números sobre os grevistas avançados pelos sindicatos e pelo Governo. Esta discrepância já é habitual em todas as greves.
Mas, independentemente da exactidão dos números, parece-me evidente que a greve ficou aquém das expectativas dos seus promotores, mesmo nos sectores onde tradicionalmente as greves têm maior impacto: transportes suburbanos, administração pública central e local, saúde e educação. Como de costume o sector privado passou quase incólume. Greve houve, mas pouco geral de facto!
Naturalmente os efeitos da greve não se reduzem à mobilização dos trabalhadores no próprio dia da sua realização. Tanto mais quanto esta greve geral foi convocada apenas pela CGTP, que não procurou nenhum acordo mais amplo dentro do movimento sindical (designadamente com a UGT) e tudo leva a crer que a sua realização tenha sido largamente impulsionada pela agenda política do PCP.
Na sua génese, esta greve geral teve menos um perfil sindical e mais um perfil político, na medida em que a sua ideia-força foi a contestação global à política económica do Governo.
Com tal perfil político, a greve é perfeitamente legítima e conforme à Constituição já que, nos termos da nossa Lei Fundamental, o âmbito e os objectivos da greve só podem ser definidos pelos próprios trabalhadores e suas organizações representativas. Não vingou entre nós, de facto, a proposta de ilegitimação da greve com fins políticos, apresentada na revisão constitucional de 1989 pelo PSD, através do então deputado Pacheco Pereira.
Mas por se tratar de uma greve com motivação política - visando a alteração da política económica do Governo - ela tem menos a ver com a mobilização dos descontentamentos que existem de facto na sociedade portuguesa e mais com a credibilidade da formulação de um rumo alternativo para essa mesma política económica por parte dos sectores promotores da própria greve nacional.
Ora, quer pela expressão concreta da greve quer pela apressada apropriação dessa greve por parte do PCP (curiosamente na semana em que as sondagens o dão em queda acentuada de apoio), não parece provável que esta movimentação venha a provocar qualquer alteração no rumo político do Governo.
Os críticos do Governo dirão que tal atitude é mais uma prova de autismo e arrogância do Executivo. Estarão no seu papel.
Mas na realidade o escasso efeito da greve geral, face aos fins que visava alcançar, resulta, sobretudo, da colaboração que os próprios sindicatos - e a CGTP em particular - prestam ao próprio Governo.
Expliquemos melhor.
Existe na sociedade portuguesa um sentimento muito alargado de que o País carece de reformas que façam face às dificuldades com que nos confrontamos. Este sentimento difuso explica, em meu entender, o caldo de cultura favorável à acção do Governo expresso nas sondagens. Esse caldo de cultura não significa, contudo, que os que assim pensam apoiem exactamente todas as medidas reformistas em curso.
Só que, mesmo com reservas, a maioria dos portugueses percebe que uma estratégia de inércia, puramente imobilista, de enquistamento na defesa de direitos adquiridos sem cuidar da sua sustentabilidade a prazo num contexto de acrescida e agressiva competitividade global, uma tal estratégia conduz, a prazo, ao agravamento dos nossos problemas colectivos.
Um movimento sindical animado por uma agenda própria de reformas seria simultaneamente um interlocutor mais eficaz e um adversário mais exigente do Governo. Uma acção sindical confinada ao rosário das maleitas da precariedade no emprego ou da delapidação dos direitos adquiridos tem a sua razão de ser, mas não fará a diferença quando se tratar de responder aos desafios centrais da nossa sociedade: a criação de emprego e a melhoria da produtividade como componente indissociável da competitividade das empresas portuguesas.
Logo, mais importante que a contabilidade do dia seguinte serão as contas que o movimento sindical terá que fazer sobre o seu específico papel nos outros dias seguintes."
  • Obs: O sublinhado é nosso. Subtil e diplomáticamente António Vitorino acaba por ser devastador para com a CGTP que, curiosamente, tem nos seus quadros, mormente, na sua liderança, um Carvalho da Silva que parece não conhecer a lei da rotatividade no seio do seu movimento e dinâmica interna. E por vezes as lideranças são tão contribuintes líquidas para gerarem factores de dinamização e de mudança quanto elementos geradores de bloqueios e de paralisias na sociedade. Temo bem que esta CGTP - querendo marcar o ritmo à UGT e amputar algum capital-reformista ao governo - através duma greve política fortemente gorada - tenha perdido o tino a médio e longo prazos, até pelo efeito teleguiado que o PCP sempre nele usa e abusa, crónicamente... Era assim com Cunha, foi assim com Carvalhas e é assim com o dançarino e camarada torneiro-mecânico Jerónimo de Sousa.
    Pergunto-me, se a vida não fosse a madrasta que é para certas pessoas, como seria hoje o PCP caso Luís de Sá ainda fosse vivo. Porque vivo seria ele, inevitavelmente, um dos quadros que poderia ascender à liderança do PCP, e se isso tivesse sido possível - , in extenso, o movimento sindical português, mormente esta relíquia do séc. XIX que é a CGTP de Carvalho da Siva - também seria pressionada a modernizar-se e, nestes momentos, não assumiria as posições de vanguardismo estéril que acabam por balizar a sua praxis política - pondo até o país contra ele.
    Compulsar também com vantagem este outro artigo de António Vitorino -
    As memórias do sr. Scargill (link, Nov., 2006) - onde o autor equaciona a relação do poder político do Reino Unido ao tempo de Margareth Tatcher com o sindicato dos mineiros, liderado pelo célebre Artur Scargill. Vale a pena ver mais este artigo de António Vitorino - que não estando a exercer o poder - enquadra-o e teoriza-o de forma eficiente aproveitando quadro comparativo europeu da década de 80 - para fazer luz sobre o que se passa no burgo.
    Já agora, faça-se uma resma de cópias e envie-se para a sede da CGTP ao cuidado do dr. Carvalho da Silva - que tem toda a razão em agir em nome dos trabalhadores e pensar no day-after, mas tem, acima de tudo, o dever de pensar e de agir tendo por meta os dias seguintes, no plural - quero dizer. Ou melhor, quer António Vitorino, umas das grandes vantagens - senão a vantagem - daquele DN.