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Felizmente, já não estou cá - por Vasco Pulido Valete -

Felizmente, já não estou cá 02.06.2007, Vasco Pulido Valente (in Público, assin.) Quaisquer que sejam as razões do Governo e da oposição, felizmente que já não vou ser forçado a usar a Ota. Tentem imaginar. A partida é, pelo menos, sete horas antes de o avião sair: uma hora para me arranjar e verificar a bagagem; mais três de táxi (se o trânsito estiver razoável); ou mais três de comboio (chegar à estação com as malas no lombo, procurar o lugar, arrumar as malas e, no fim, fazer isto tudo, por ordem inversa); a seguir, uma hora, hora e meia, para o check-in e para a autoridade verificar minuciosamente que não sou um terrorista árabe; e depois, como de costume, passaportes, sala de embarque e o impensável corpo a corpo até a uma cadeira no avião com o inevitável saco ou sobretudo ou qualquer outra coisa igualmente incómoda. Isto, se não houver nenhum atraso (que há sempre) e nenhum sarilho inesperado com papelada e marcações (que há quase sempre). Ainda por cima, se o avião for, por exemplo, às nove ou dez da manhã, não pude, como é óbvio, dormir e já começo a entrar em coma.
Um investimento deste género em esforço, paciência e tortura voluntária talvez se justifique para ir à Nova Zelândia ou à Austrália (sítios que não me interessa ver), mas não se justifica com certeza para ir a Madrid, Londres, Roma ou Praga e até a Nova Iorque ou Washington. Suponho que o contrário também é verdade: que ninguém em Madrid, Londres, Roma, Praga, Nova Iorque ou Washington se irá voluntariamente submeter às sevícias da Ota para vir a Lisboa. Claro que da Ota muita gente seguirá para o Porto ou para o Algarve: se não conseguir um voo directo, que evite a burocracia e a demora de um transbordo num grande aeroporto. Se a Ota, no fundo, se destina diminuir a poluição e a desobstruir Lisboa de turistas com mau ar e pouco dinheiro, é de facto uma extraordinária descoberta.
Dizem que a Ota serve para não deixar a Madrid o exclusivo da distribuição de "carga" e passageiros pela Península Ibérica e pela Europa. Só que, fora o orgulho deste putativo golpe assestado ao castelhano, a Ota serve principalmente para isolar Portugal. A distância e a monstruosidade dessa fantasia "estratégica" repelem por si sós. Certo que, no género "aeroporto", existem por esse mundo exemplares horrendos. Mas se é difícil evitar Nova Iorque por causa de Kennedy, ou Londres por causa de Heathrow, não é difícil evitar Lisboa (e Portugal) por causa da Ota. A megalomania não ajuda um país pequeno.
  • Obs: Divulgue-se junto do deserto em que se converteu o ministro das "Obras estranhas" titulado por Mário Lino. Ainda pensei que Vasco Pulido Valente se referisse à vantagem da Ota pelos seus terrenos serem propícios à produção de arrozal e à criação e caça da gibóia e do jacaré...podendo fazer da Ota - na zona contígua ao eventualíssimo e futuro aeroporto - uma espécie de Parque Nacional dos anfíbios - como medida infra-estruturante apoiada pela API do Basílio Horta (que não se vê nem se sabe o que anda a fazer..).