quinta-feira

Debate inquinado - por Francisco Sarsfield Cabral

in Visão, 31.05.07
Debate inquinado
Os portugueses andam preocupados com a economia. Por isso seguem os indicadores económicos que vão aparecendo com crescente frequência (o que é positivo). Mas, por vezes, esses indicadores e, sobretudo, os comentários que sobre eles se fazem, baralham mais do que esclarecem.
Não é tanto o caso de surgirem indicadores contraditórios, como há pouco aconteceu em relação ao desemprego. É mais a atitude dos políticos face aos números da economia que leva a confusões.
Quem apoia o Governo procura mostrar que a situação está agora melhor. Ao invés, os políticos da oposição tentam aproveitar qualquer informação estatística menos positiva para argumentarem que o Governo não cumpre as promessas e que a situação económica é péssima.
Um traço é comum às duas posições: uma visão de curto prazo. Discutem-se pequenas subidas mensais ou anuais, às vezes envolvendo apenas uma ou duas décimas. São números relevantes, sobretudo se confirmam uma tendência, permitindo considerá-la sustentável e não meramente episódica. Mas o essencial fica de fora.
O essencial tem a ver com a estrutura produtiva da nossa economia, não com a conjuntura, muito influenciada pelo que se passa na economia europeia. Ora o debate económico nacional está inquinado pela fixação no imediato.
O problema de fundo que Portugal enfrenta está em que a nossa produtividade se tem afastado, ano após ano, das médias europeias. Ora, só poderemos evitar o empobrecimento, pelo menos relativamente aos nossos parceiros na União Europeia, quando superarmos esse calcanhar de Aquiles.
Precisamos de trabalhar melhor. Com outra organização, outros métodos, outra disciplina. E, ainda mais importante, temos de esquecer de vez a mão-de-obra barata como factor de competitividade, para apostar em bens e serviços de maior valor acrescentado. Não o havermos feito a tempo explica a crise económica actual.
Por isso o que verdadeiramente importa são sinais que nos indiquem se estamos, ou não, a dar a volta do ponto de vista estrutural – viragem que demora tempo, mas se constrói desde já.
O bom comportamento das exportações portuguesas em 2006 e no primeiro trimestre deste ano é positivo. Dá esperança de que a tal mudança estrutural tenha começado a esboçar-se no aparelho produtivo do país.
Infelizmente, há razões para moderarmos o optimismo. O que tem feito crescer as nossas exportações de bens e serviços é, sobretudo, o aumento da procura externa, com a economia europeia a expandir-se a bom ritmo. Estamos longe de recuperar a quota de mercado que perdemos nos últimos anos.
Tal seria, aliás, impossível, com a nossa produtividade a crescer muito abaixo da produtividade média europeia. E com os custos do trabalho (salários, contribuições para a segurança social) a subirem 5,7 % no primeiro trimestre deste ano, face a igual período de 2006. Uma subida bem superior à registada na grande maioria dos outros países europeus.
Além disso, uma alteração do perfil da produção e da exportação nacionais implicaria um forte investimento. Acontece que o investimento público está em queda por causa do défice orçamental. E que o investimento empresarial não há meio de arrancar.
Deixemos a obsessão do curto prazo e preocupemo-nos com aquilo que pode levar a mudanças estruturais. É delas que depende o nosso futuro.
Francisco Sarsfield Cabral
Obs: Divulgue-se.