A relativização das sondagens...: o recurso ao efeito "Rashomon"
As sondagens são hoje um negócio importante para uma classe profissional em emergência. Antes e depois das eleições, elas estão sempre presentes, pois quando não servem para sugerir quem está melhor colocado para ser PM, PR ou autarca da Câmara Municipal de Lisboa ou de Freixo de Espada à Cinta servem igualmente para vender o melhor sabonete, o tal que promete a uma senhora de 84 anos que as rugas que ela tem na cara irão desaparecer após três utilizações daquela mestela.
As estações de tv, rádios e jornais precisam delas como de "pão para a boca", operam em sinergia, valem-se umas das outras para projectar resultados, apresentar cenários, descobrir tendências e, claro, também para vender "gato por lebre" e "lixar" a concorrência que se atrasou na divulgação das mesmas previsões sondageiras. Por vezes até involuntáriamente, decorrente da ignorância ou imprudência - por vezes mitigada com arrogância - daqueles que julgam sempre conseguir perscrutar com precisão os misteriosos sentimentos das pessoas que sondam. Há de tudo para todos os gostos, como na Feira da Ladra da opinião desta sondocracia que nos (des)governa. Vejamos, sumariamente, uma bateria de motivações que pode estar na sua origem destes erros e confere validade a esta grande ilusão da democracia de opinião que assaltou a colectividade:
A saber:
1. As pessoas quando interpeladas (por empresas de sondagens de opinião) dizem aquilo que os outros querem ouvir, e não verdadeiramente o que pensam. Ou seja, representam uma narrativa que, na verdade, não corresponde totalmente ao seu sentir e pensar;
2. Ou seja, as pessoas mentem, visto que não dizem o que realmente pensam;
3. As pessoas dão umas respostas provisórias a fim de se verem livres dos interpelantes. É o expediente que melhor encontram para não serem mal educadas, salvo se a entrevista for paga. Aí ficam e dão atenção ao entrevistador, mas tal não implica que não mintam ou ocultem factos ou pensamentos;
4. As pessoas podem até ser sinceras e dizer o que efectivamente pensam, mas como elas reconhecem não estar na posse de toda a informação útil entendem, ao mesmo tempo, que as suas respostas pouco ou nada interessam;
5. As pessoas podem ainda partilhar as suas opiniões com base na informação disponível mas, nesse caso, pouco adiantam ao que já se sabe. E sabendo que a sua "douta opinião" é gratuita nada dizem...
O que significa tudo isto para a estruturação duma sondagem? Que, em rigor, visa explicar os processos que estão na origem das mudanças na opinião pública e interferem com as tomadas de decisão, com a definição das políticas públicas e, em última instância, com a qualidade da democracia representativa e o exercício do poder do qual depende a definição do bem comum (como diria Aristóteles) das populações?
Explicitando com um exemplo da 7ª Arte: o recurso ao “efeito Rashomon”. Julgamos que aquilo que importa ao curioso destes fenómenos, é reconhecer que as pessoas em geral não são grandes observadoras dos acontecimentos. Se, por hipótese, colocarmos meia dúzia de pessoas testemunhando um acidente, muito provavelmente cada uma delas dar-nos-á diferentes descrições acerca do que viu. Recordamos aqui, a título meramente exemplificativo, Rashomon, um filme de Akira Kurosawa – em que se descreve a forma como cinco pessoas viram um acidente, que originou depois cinco diferentes relatos sobre os factos: um bandido assalta um homem, ata-o, e de seguida viola a sua mulher à sua frente. Pouco depois vem a morrer. Todas as pessoas envolvidas contam uma história diferente… Desconhece-se se a mulher foi violada ou seduziu o bandido; se o marido morreu em consequência da luta com o agressor, ou até se cometeu o suicídio. A evocação desta analogia do filme Rashomon com as mudanças na opinião pública – demonstra como perante o mesmo facto as pessoas contam descrições diferentes acerca do que viram. Pergunto-me o que hoje muita gente pensa de Cavaco ou Sócrtaes depois de ter votado neles...(?!) Imagine-se agora – a fim de estabelecer o paralelismo - que um técnico de sondagens pergunta a uma dada população se ela pensa que a performance televisiva do ex-PM (Cavaco) foi decisiva para o eficiente nível da sua campanha presidencial. Tal pressupõe que as prestações televisivas podem ser decisivas na definição dos resultados eleitorais obrigando, in extenso, a que respondentes mais indiferentes tomem – forçosamente – partido sobre a valia daqueles efeitos dos media sobre os eleitorados (substituindo-se assim ao seu livre juízo político e formação da vontade colectiva). Eis um exemplo (problematizante) em como além de se desqualificar a sondagem, também se comete outro erro: constante da imposição de problemáticas aos eleitorados que, na realidade, não correspondem ao seu pensar nem sequer integra as preocupações da sociedade. Mas, como referi, há sempre gostos para tudo, além de tudo isto ser relativo. Até a vida...
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