O regresso do 'Jedi' - Jedi aqui é o Paaulinho das feiras, da lavoura, etc...
Um bom artigo de Luciano Amaral no dn, uma estreia no Macroscópio. Esperemos que continue a fazer artigos destes para o continuarmos a citar. O regresso do 'Jedi' Luciano Amaral
Professor universitário Para quem não sabe, a hexalogia Star Wars anda em torno do aparecimento do homem que há-de trazer o equilíbrio ao cosmos, fazendo prevalecer o bem sobre o mal. No terceiro filme (o sexto na cronologia da narrativa) ele acaba por aparecer, mas ironicamente é o mesmo que antes mais contribuíra para a expansão do mal, Darth Vader. Lembra um pouco a direita portuguesa, desesperada pelo regresso do equilíbrio ao universo político e que a esta hora estará a perguntar-se se aquele que a ressuscitará é o mesmo que antes tanto ajudou a diminuí-la. O regresso de Paulo Portas ao protagonismo político desencadeou logo uma erupção de detractores ou conselheiros do candidato a príncipe. Assim como há um treinador de bancada dentro de cada português, há também um estratega político. Não sou eu quem se vai subtrair a tão divertida actividade. Comecemos por duas notas precaucionárias. A primeira é que toda a gente parece esquecer-se de que ainda falta a Portas ganhar o CDS, o que não é assim tão evidente, sobretudo se a liderança for decidida em congresso, em vez de "directas". Mas enfim, demos de barato que a vitória é segura. Isso leva-nos à segunda nota. Por enquanto, a excitação é grande e o homem (seja por críticas ou elogios) foi posto nuns píncaros extraordinários. Mas quando tiver de começar a discutir minudências a lama vai começar a pegar-se- -lhe ao fato. Ora, é aqui que se joga tudo.
No dia seguinte à conferência de imprensa do herói do momento, não houve jornal que não recenseasse as suas várias personificações passadas: de uma espécie de nerd da Faculdade de Direito no início dos anos 80 até ao recente ministro da Defesa "rumsfeldiano", passando pelo jornalista da direita "moderna e dinâmica" d'O Independente, pelo criador do PP e de Manuel Monteiro, pelo assassino de Manuel Monteiro, pelo "eurocéptico", pelo "eurocalmo", pelo amigo dos "bebés" intra-uterinos, pelo salvador dos Governos de Guterres, pelo "Paulinho das feiras", pelo apoiante da "lavoura", pelo campeão dos veteranos da guerra colonial e mais não sei quantas outras que agora me escapam, parece que não se sabe muito bem do que contar com ele. E talvez seja verdade.
Percebe-se o que ele quer, até porque é o que sempre quis: liderar a direita. Resta saber duas coisas: o que é que isso significa e como vai reagir o maior partido da direita, o PSD. Para Portas, o tempo não é de "nichos de mercado", como na altura das "feiras" e da "lavoura". Ou fala para todo o mercado da direita ou enterrar-se--á na tal lama. Uns exigir-lhe-ão que seja "liberal". Mas, se o for, alienará a direita que foge do liberalismo como Maomé do presunto. Outros exigir-lhe-ão que seja "conservador", mas se o fizer terá os liberais a acusá-lo de apego ao tradicionalismo estatista e católico do País. Outros ainda exigir-lhe-ão que seja sensível à agenda moderna de costumes (desde a liberalização da droga aos casamentos gay, agora que o aborto já passou), mas então terá à perna os defensores dos bons costumes. Ele não pode, portanto, ser nenhuma destas coisas. Mas também não pode deixar de ser um bocadinho de cada uma. Certamente que haverá pontos de consenso mínimo para ajudar: digamos, uma certa redução das funções do Estado e correspondente devolução de iniciativa aos cidadãos, ou uma certa prudência nas questões de costumes, mesmo aceitando transformações.
Mas não há nada melhor para curar divergências do que o poder. Portanto, a Portas será também necessário que pareça capaz de conquistar o poder. O problema é que isso dependerá igualmente de factores alheios ao seu controlo. O meu amigo Rui Ramos lembrou no seu artigo do jornal Público da semana passada a famosa preferência de Napoleão por generais com sorte e não apenas competentes. Também Portas precisará da sorte. Só que, como dizia Salazar (se não me engano), a sorte é das coisas que mais trabalho dão. Portas terá, portanto, de trabalhar para ter sorte. E onde mais trabalho vai encontrar será no PSD, cuja fase quietista não pode durar sempre. De resto, é aqui que está o ponto mais intrigante da grande estratégia de Portas: como pensa ele conquistar o PSD?
Precisamente, o PSD terá os mesmos problemas de Portas, com a vantagem da rede de interesses e poderes que detém. Faltando saber quem está na disposição de pegar nela e fazer alguma coisa com ela. Neste momento, não se vê ninguém. Dir-se-á que é já a sorte a bafejar Portas. Talvez. Mas quem, no PSD, estará efectivamente disposto a ser conquistado por ele? Portas deixou por lá demasiados inimigos no seu passado. Mesmo sabendo nós que em política não há inimigos perpétuos, muitos no PSD até prefeririam deixar-se conquistar por Sócrates do que por Portas. E, depois, convém sempre olhar para Belém, onde reside muito poder. O qual, caso se propicie, não deixará de ser usado. Mas isso já dava outro artigo.
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