quinta-feira

Direito ao indirecto - por Pedro Rolo Duarte -

Direito ao indirecto (link) Pedro Rolo Duarte
Jornalista
Se há fenómeno que, por mais tempo que passe, continuo a ser incapaz de compreender, é mesmo o da subserviência dos telejornais ao horário estabe- lecido pelos partidos. Como se a informação pudesse ser ordenada de fora para dentro das televisões, por dá cá aquela palha um líder político marca uma conferência de imprensa para as 20.00 - e os três canais abertos obedecem cegamente e transmitem em directo...
Na segunda-feira, a brincadeira voltou - mas teve a graça acrescida de ser provocada por facções diferentes de um partido que teve pouco mais de 7% nas últimas eleições. Ora, por mais interessante e apetecível que fosse a troca de mi-mos em plena reunião do CDS/PP - e sem dúvida que é notícia e merece reportagem, até para se perceber de que falamos quando falamos de "democracia cristã"... -, a sequência dos discursos de Telmo Correia ou de Ribeiro e Castro bem podia ser gravada, editada e transmitida no alinhamento hierarquicamente estabelecido por cada canal.
Assim não foi. Obedientes, a RTP, a SIC e a TVI deram em directo as queixinhas de Ribeiro e Castro e do seu opositor, irrelevantes e desinteressantes para qualquer espectador comum, que já percebeu que o partido está desfeito e que provavelmente nem Paulo Portas conseguirá tornar sólido o que cada dia parece mais... gasoso...
Desisti e fui acabar de fazer o jantar para poder ver o Benfica jogar às 20.30... Resultado: fiquei sem saber o que de importante se passou no mundo, porque os senhores do CDS determinaram que naquele dia eles é que eram os "presidentes da junta"...
Ora, gostava de poder reclamar o "direito ao indirecto" - isto é, o direito a ter dos canais de televisão um tratamento jornalístico dos factos, e não apenas uma sequência de directos emocionais e emocionados. Se os políticos foram os primeiros a criar estes horários informativos, na verdade já vimos agentes da polícia, do mundo económico e empresarial, e até do desporto, marcar encontros com os jornalistas para as 20.00. Um dia, quem sabe, haverá atentados terroristas, peixeiradas no jet set e crimes de grande envergadura - tudo à hora do jantar, em directo e a cores...
Obs: Confesso que gostei de ler este artigo, como outros de Pedro Rolo Duarte (PRD), uma agradável surpresa. Muitas vezes me pergunto (também) por esse direito.. ao diferido .. em Portugal... Mas, no fundo, a questão nuclear consiste em saber por que razão esse "ajuntamento" de tvs em Portugal procede dessa forma, e não de modo mais saudável, como seria natural desejável. Será só por causa do share publicitário, da concorrência selvagem, da estupidez natural, do quê, então!? E o mais frustrante é que depois, vai-se a ver, o "sumo" que aquelas conferências de impressa partidárias revelam é, tão só, um suco demasiado azedo e estéril, como a actual oposição em Portugal.
Fica aqui feito o desafio a PRD para que ele num próximo artigo possa reflectir acerca das profundas motivações que "empurram" as direcções de informação a ter esse comportamento canino que acaba, em última instância, por nem sequer servir a democracia, a "boa" informação e o civismo entre os portugueses - que passam a ver nas estações de tv uma outra forma degenerada de partidos políticos, só que com microfone na mão e câmara à ilharga. Esperemos agora que PRD aceite este pequeno desafio complementar, aliás, a este seu artigo que aqui transcrevemos na íntegra.
Seria assim uma espécie de "Direito ao indirecto II". Especialmente d'alguém que começou por ter uma ideia negativa da blogosfera mas que depois mudou de ideias, e ainda bem. Nós sabemos bem o nome que têm aquelas pessoas que nunca mudam de ideias...
Parabéns pelo artigo. Já o tinha pensado em tempos, ainda bem que hoje alguém o escreveu.