sexta-feira

Mapas interactivos: o analista, o leitor e o inquirido. Cartografias desesperadas

* Como os factos e a notícias que os difundem continuam a não prestar ou a interessar um agenda-setting mais exigente republicamos aqui textos antigos mas com vocação prospectiva.

Image Hosted by ImageShack.us

Nota prévia: Trata-se dum texto já datado, de Set. de 2004 e depois publicado em livro e na impresa, creio. Mas parece-me que os seus pressupostos se encontram válidos para apreender a realidade fugaz que se movimenta diante dos nossos olhos à velocidade da luz. Uma realidade policromática e de geometria muito variável - consoante os caudais de água são (ou não) comportados pelas albufeiras, diques e comportas das barragens. É com essa finalidade (epistemológica e cognitiva) que o republicamos.

Image Hosted by ImageShack.us

Mapas interactivos: o analista, o leitor e o inquirido

Image Hosted by ImageShack.us

Imagine o leitor que tem de fazer o relatório da conjuntura do último trimestre. É convidado a pegar nos binóculos e referenciar a intensidade dos factores de crise em Portugal. O que escreveria? Com que mapas assinalaria a mudança? De Junho a Agosto de 2004 sistematizaria: a eleição atípica do actual presidente da Comissão Europeia e a entronização do XVI Governo constitucional. A montante, e sem válvulas de escape e alternativas mágicas, aduziria o terrorismo, a crise económica, social e moral. Eco(ando) Agostinho da Silva: Portugal está de mãos a abanar por detrás das costas sem saber o que há-de fazer enterrando gente viva.
Importa, agora, olhar o zénite luso e sobrepor ao passado uma composição única de futuro. Daí a urgência dos mapas para avaliar linhas de evolução possível a partir do que existe. Na prática, uma politologia cartográfica, combinando ciências duras e políticas racionalizando o Estado e a sociedade. Sofrendo o politólogo da ânsia do poeta, que tem de distorcer a realidade social para mapear o caminho. Mas não é uma distorção caótica: observa regras, direitos e informações mentais. Também Fernando Pessoa (via Álvaro de Campos) tinha o fascínio dos mapas: a imaginação concreta, letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha.
Para serem úteis têm de ser fáceis de usar. Tal como o mapa de J. Luís Borges que conta a história do imperador que encomendou um mapa exacto do seu império, fiel ao detalhe. Do mesmo modo que o leitor tem de representar o seu mapa cujas coordenadas desconhece; também um ministro indigitado tem de ter o esboço do caminho que o conduza ao local da tomada de posse.
Três características informam a cartografia: a escala que reduz a realidade ao essencial numa genial omissão determinando as posições relativas (geografia, clima) do exercício do poder; a projecção resultante do compromisso da ideologia do cartógrafo condicionada por factores técnicos exagerando ou subvalorizando a ameaça do inimigo (ex: os mapas da ameaça comunista diferem dos utilizados para o risco terrorista. E ambos diferem dos mapas medievais); a simbolização é o último elemento de representação cartográfica da realidade. Integrando sinais icónicos e convencionais, estabelecendo relações de semelhança com a realidade representada: um conjunto de árvores é uma floresta, linhas são fronteiras, círculos são cidades.
Confrontado com a realidade, o politólogo conclui que os mapas podem ser figurativos ou abstractos, emotivos ou cognitivos. Existem para serem vistos ou lidos. Sucede, porém, que o mapa do leitor poderia matizar outros factos: crise no PS, “aborto-lândia”, pedofilia, o PP. Importante é constatar que cada tipo de projecção da realidade produz um centro e uma periferia, mostrando que a cartografia política da realidade social não tem sempre o mesmo grau de distorção e regulação.
Doravante, seria estimulante que fosse o leitor a inquirir cada líder partidário a fazer o seu próprio mapa e, em conformidade, medisse as distorções face à realidade. O que diriam Santana, Sócrates, Portas, Louçã ou A. J. Jardim? Guterres, porventura, pontilharia um mapa transnacional. E Cavaco? A vantagem destes mapas é a de sobrepor/articular/interpenetrar múltiplos espaços socio-políticos e juridicidades misturando atitudes e comportamentos em momentos de crise e de transformação qualitativa das trajectórias políticas.
Esta intersecção de fronteiras ético-jurídicas conduz a uma nova cosmovisão: a interpoliticidade, resultante da tri-composição litográfica de imagens, agora articuladas entre analista/leitor/inquirido. Cada uma delas apresentada em função da intenção última de as sobrepor numa narrativa única reconstruindo a realidade e fazer o mapa segundo a escala/projecção/simbolização.
Tal abordagem permite imaginar tempestades nos cálices dando aos mapas uma utilidade interactiva cujo potencial estrutura intencionalidades sob a máscara de cada agente político. Tudo depende da arte do politólogo, pois de nada valeria desenhar mapas se não houvesse viajantes para os percorrer. Borges conta que ao fim de muitos trabalhos, lá conseguiram terminar o mapa do imperador. Mas com grande frustração, já que o mapa era do tamanho do império..