"A insustentável leveza do ser" (e do tempo)
***** "pour lídia" , Teresa e Sabine...
A ideia de tempo faz-me pensar numa medida para ele, que o racionalize e lhe empreste alguma ordenação domesticável, compreensível, atendível, mas sem sucesso. O tempo não é um cão... Tudo se esvai nessa indisciplina do tempo. Faz agora cerca de 22 anos que a tela viu passar o filme A Insustentável Leveza do Ser, com belos actores e melhores representações. Essa história e as narrativas são conhecidas ou fácilmente recordadas. Todavia, mais estranhas são as impressões que nós temos hoje das impressões originais que o filme suscitou pela 1ª vez. E é aqui que entra a variável tempo. Posto que as nossas primeiras impressões nunca são depois repetidas sobre os mesmos factos... É aqui que começa o drama da coerência..., que acaba sempre em tragédia. Será que para nós - tal como para Milan Kundera - o tempo, visto aqui como peso/fardo/reponsabilidade de vida, também revela uma forma de opressão!? Já que tudo aquilo que gostamos, escolhemos, amamos, apreciamos pela leveza cedo se revela um peso tremendo, insustentável?! O que escapa a isto senão a fungibilidade e velocidade da própria inteligência, por vezes disfarçada de ironia (que é o sorriso da razão, como ensinou Eça) - esse genial pedante e aristocrata que nem a categoria "povo" conseguiu meter nos seus romances, senão no fim da vida, quiça com medo que a morte já não o absolvesse por entre a Cidade e as Serras.. Decorre isto, entre outros aspectos, duma constatação simples: quando as pessoas são novas e tocam partituras também "verdes" - tudo se pode compôr, moldar, arranjar; ao invés, quando 50% do trajecto de vida é percorrido essas partituras musicais já não podem mais ser tocadas como anteriormente, e é aqui que cada palavra, cada gesto, cada acto, cada omissão, cada lance na jogada de xadrez em que se converteu a vida - assume um significado mais delicado e precário. O que para uns significa luz, para outros representa sombras; e assim estes pares de antinomias, de antíteses e de paradoxos (quente-frio, espesso-frio, ser-não ser) povoam o destino humano. Ora, ontem, par hazard, reencontrei um amigo que me revelou celebrar com tanta euforia o seu divórcio como quando celebrou o seu casamento, isto revela-nos, entre muitas outras coisas, que há pessoas que não foram feitos para viver com uma mulher, nem com ninguém... Mas o que é dramático nisto nem sequer é a ideia ou realidade de divórcio, mas a circunstância de nunca se poder saber o que se deve querer porque só temos, na realidade, uma vida, que às vezes é ceifada a meio, abruptamente. E que, por isso, não a podemos comparar a nada: nem a vidas anteriores, nem corrigi-la por referência a vidas posteriores. Como não temos indicador de referência não há farol. Sem farol - e termo de comparabilidade - cegamos, e um homem cego é muito pior do que amputar uma mão a alguém que ainda a sente muito tempo depois. É nestes momentos que os dramas se convertem em tragédias, e o escritor já não sabe se escreve para alguém ou se está a contar a sua própria vida..., que ele julgar poder adaptar à ficção dos seus próprios personagens...
- Dedicamos este post alí ao Kundera que nos olha de forma sobranceira, e também nos fita de modo inquiridor... Nem que nasça outra vez será (mais) capaz de fazer outro Insustentável leveza do ser. O que é bom pouco ou mal se repete. Até nisto a Madre natureza é injusta..
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