quinta-feira

A Srª Dona República portuguesa

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Qualquer que seja a tese a que se adira a respeito das transições políticas (monarquia para república), mantém-se invariáveis algumas características fundamentais à magistratura republicana a partir de certa fase histórica. Portugal também não foi excepção a esse processo de evolução político, e hoje somos o que somos: uma República meio-manhosa, mas república.
Aqui os vectores são os seguintes: a temporaneidade - por contraposição à durabilidade dos cargos em monarquia que eram vitalícios (com excepção da bárbara transmissão dos poderes de investidura de fujão barroso a s. Lopes, de forma degenerada e falhada com a cumplicidade alarmante e incompetente de Belém); a responsabilidade - que ainda está por definir, a ajuizar pela conduta impune com que ficam certos agentes que se servem do Estado para benefício próprio; a colegialidade - por oposição à unicidade do rex, com a agravante de que se este fosse um grunho, e houve-os em abundância da nossa história, seria hoje uma desgraça ainda maior do que voltar a ter um governo tipo "fujão" Barroso ou s. Lopes; e a gratuitidade - já que existe uma submissão das decisões - nem que seja "para inglês ver" - do magistrado, quando respeitantes à vida do cidadão e, em certos casos, também ao seu património. A corrupção como é uma constante que atravessa todos os tipos de sistemas e regimes políticos, nem aqui valerá a pena evocá-la, ela é por demais evidente, qual sal da política...
Mas a centragem da perspectiva deve situar-se não naqueles vectores que já há muito se encontram normalizados mas numa outra fenomenologia, ou seja, numa busca de novas significações essenciais à realidade vivida pelos portugueses hoje na 1ª década do III milénio. Pois é ela que imprime relevância à nossa vida colectiva.
E neste particular não posso deixar de evocar aqui a excepcional distinção do sociólogo Ferdinand Tonnies, a qual ficou célebre pela distinção que estabeleceu entre duas espécies de relações sociais: umas, que designa "societárias", assentam unicamente sobre cálculos de interesse; as outras, a que chama "comunitárias", fundam-se em tendências naturais e empenham o ser humano por inteiro. Ora, é esta oposição entre sociedade (Gesellschaft) e comunidade (Gemeinshaft) que em Portugal está fazendo uma carreira lamentável, devido à prevalência dos aspectos societários deixando para trás os elos da cadeia comunitária que fazem o tecido conjuntivo de qualquer nação. E Portugal, creio, carece desses elos e dessa coesão, até no plano empresarial... E se souber explorar o filão lusófono, como defende Ernâni Lopes, poderá encontrar um espaço político, económico e de grande afirmação cultural que só reforçará a posição portuguesa na Europa e no mundo.
Mas a circunstância do PR ter recebido em Belém o cientista Manuel Damásio já é uma boa notícia. Significa que Belém olha para o mundo com uma lente que vai além da abordagem institucional, ultrapassando o comezinho processo político encarado como a velha interacção e das lutas entre instituições públicas e grupos sociais contrapostos, introduzindo na engrenagem uma metáfora biológica que ajudará no ajustamento de Portugal consigo próprio e com o mundo.
Nesse sentido, Cavaco escolheu bem a personalidade de Manuel Damásio (imagine-se que fosse Ribeiro e Castro, Louçã ou MMendes...) fazendo, desse modo, uma chamada de atenção à consciência e à função biológica que nos permite conhecer a tristeza ou a alegria, sentir a dor ou o prazer, sentir a vergonha ou o orgulho, chorar a morte ou o amor que se perdeu.
E aqui só deixamos mais uma nota: estará hoje o pathos a República no bom caminho? Qual será hoje o estado do desjo e do sentir dos portugueses, contanto que há dias uma sondagem denunciava que a maior parte de nós não se importaria de ser espanhóis.
Só espero que a República, numa qualquer escadaria oficial, não culpe a Eva pelo facto de muitos de nós querermos falar espanhol, culpem a consciência mas agradeçam-lhe também. E talvez tenha sido este gesto que o locatário de Belém tenha querido evidenciar ao receber o neurobiólogo Manuel Damásio. Ainda que Cavaco, no seu íntimo, possa supôr que aquela sondagem tenha fundamento, e alguns portugueses mais avisados até podem pensar que a sua recente vista oficial ao Reino de Espanha consubstanciou um acto falhado (freudiano) do cristal dessa consciência.

Malgré tout, Viva a República!!! - e o futebol também, porra!!!

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Podemos saber quem alimenta a consciência do elefante, mas desconhecemos quem alimenta hoje a consciência colectiva dos portugueses...