O sr. Eduardo Souto-Moura: o ex...
Confesso que como português foi penoso para mim ver a prestação do ex-Procurador Geral da República: primeiro como alto agente da Justiça, depois nesta última conferência de imprensa em que reconheceu ter um problema de imagem que decorre da sua própria natureza. Se não fosse grave teria a sua piada. Consabidamente, o ex-PGR tinha por missão tornar eficaz o funcionamento do Ministério Público que dirigia, cultivar e reforçar a sua autoridade e, se possível, comunicar eficientemente com a opinião pública. Ora, o que é que ele fez? Não teve autoridade, porque não foi autor dela, deixou passar informações cruciais para a imprensa, designadamente no delicado processo Casa Pia (que ainda hoje se arrasta), o seu pessoal de confiança revelou-se a pior das "toupeiras" fazendo lembrar uma guerra de salamandras nos túneis de Paris, dizia uma coisa de manhã, outra ao meio-dia e desdizia-se ao fim da tarde. Eis a imagem que o espelho devolvia a Souto-Moura. Que dava persistentes conferências de imprensa à saída de casa, à entrada para casa, qualquer vão-de-escada era o átrio ideal para Moura falar, e ele persuadido dessa excelência, falava. E voltava a falar, no vazio, no escuro, no éter. Resultado: tornara-se evanescente. Será este o problema de imagem a que ele ontem se reportou?! Depois a sua relação com o ex-PR, Sampaio, foi a mais desastrosa possível (também por clara culpa daquele que o amparou tempo demais): laxista, irresponsável,dúbio, contraditório. Tudo alí denunciava amadorismo, casuísmo entre outros tantos tiros no escuro. O envelope 9, os casos de pedofilia, a forma como Ferro Rodrigues (e outras pessoas) foram queimadas na praça pública, tudo isso denunciou um nome, um modus operandi, uma face: Souto Moura. Não lhe conheço um único gesto que tenha revelado um traço positivo no exercício das suas penosas funções. Agora que foi substituído, veio dar uma conferência de imprensa dizendo que talvez tenha um problema de imagem e de relacionamento com os media. Bom, mas isso já era por demais notório pelos portugueses menos desatentos. Embora o seu problema, quanto a nós, era, de facto, de essência, mais do que de forma. O homem não tinha de facto qualquer autoridade, é tíbio, temerato, demasiado envergonhado, senão mesmo acanhado. Talvez seja essa a sua efectiva natureza. Mas nesse caso jamais deveria ter aceite um cargo que exigiria tamanha endurence, estaleca e exposição pública. Hoje irrompe diante dos portugueses falando de imagem, até parecia um spin-doctor ao estilo anglo-saxónico, e nós pensámos logo que o homem iria pintar o bigode de verde e vermelho, fazer um corte de cabelo à George Clooney e passar a usar umas fatiotas menos salazarentas. Mas não, ficou pela conversa da treta, tornando-se naquilo que de facto é: um chato como o potássio que passa a vida nas lamúrias. Revendo toda a sua prestação pública, não pude deixar de o comparar à velhinha Pantera-Côr-de-Rosa e aos momentos de alegria que me deu em miúdo. Agora esse efeito de associação salta-me à vista, mas aquilo que dantes me fazia rir hoje faz-me chorar. Mais ainda: o dr. Eduardo Souto-Moura - além de chato como o potássio e de personificar uma versão vernácula da Pink Phanter (que olhava sempre para o lado oposto da estrada, por isso era atropelada e ficava colada ao alcatrão) evoca-me o saudoso Peter Sellers - que fazia de inspector Clouseau, sempre muito atrapalhado e que ficou obsecado em capturar um ladrão de jóias. Ou ainda a corporização das aventuras de Sherlock Holmes - em que este aparecia no seu belo escritório com seu amigo Watson, e depois duma breve conversa com uma cliente partia a grande velocidade à procura do criminoso, mais parecia as entradas e saídas fulgurantes do dr. Souto pelos automóveis em que se fazia transportar. Tudo, confesso, se traduziu num espectáculo deprimente e ridículo que apoucou a nossa democracia. Denegrindo a sua pessoa como a imagem da própria Justiça e até a imagem e credibilidade interna e externa do país. Ele, de facto, não acertou uma. Por fim, vê-lo naquela conferência de imprensa fez lembrar aquela passagem de Fiodor Dostoievksi, do Crime e Castigo, em que um rapaz pobrezinho, à procura do 1º emprego, oprimido pela classe burguesa e pelo smogue de S. Petersburgo, sem perspectivas de carreira e de vida pelo difícil acesso à Ordem, decide matar duas velhotas ricas à machadada. E aquela conferência do dr. Souto, alegadamente, serviria para justificar esse morticínio junto da opinião pública. Esperando aí obter, senão aquiescência, pelo menos alguma compreensão e conforto, mais ainda do que o irresponsável Sampaio lhe deu... O dr. Souto foi à televisão, aliás, ele foi demasiadas vezes, mas desta vez fui tentado a ver um homem pobrezinho que quer ter razão, mesmo contra a evidência dos factos. O que ele nos tentou provar foi que, afinal, o homicídio da Justiça em Portugal (especialmente através do caso Casa Pia/pedofilia) é a justiça do oprimido. Portanto, são os portugueses que ainda têm de lhe pedir desculpa pela incompreensão gerada entre ele e a opinião pública. Diante isto, somos quase tentamos a dizer que matar velhinhas em Portugal compensa desde que nos casemos com meretrizes...
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