terça-feira

Uma nesga de Filosofia

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  • Haverá um papel relevante para a Filosofia na sociedade contemporânea? Se a resposta for pela afirmativa, resta equacionar que papel é esse e de que forma(s) ele se manifesta na sociedade. So olharmos para o interior de nós próprios verificamos, à priori, que temos duas espécies de sentimentos antagónicos: uma imensa capacidade de produzir actos de crueldade e uma imensa capacidade de tecer os fios da solidariedade. O resto são lugares comuns: temos todos boca, nariz, ouvidos, mãos, pernas, braços... tudo igual ou parecido.
  • Cépticos como Nietzsche (N.) não depositavam grande confiança na condição humana, e a vontade de poder (e a destruição) que ela comporta acabariam por destruir o bom que se fizesse a montante. Todos os seres humanos estariam, portanto, segundo N. eivados desse desiderato de will to power (autodestruidor) que era - à semelhança das forças libidinosas de Sigmund Freud - um lastro para a conflitualidade humana, daqui decorrente uma grande conclusão: o homem, esse bicho mau, é um grande sacana, porque as suas forças convergem sobremaneira para a esfera da não-solidariedade humana, daí os cépticos se tornarem tão anti-sociais. Vasco Pulido Valente, sob a capa de génio e de herói da literatura, no imaginário de alguns, claro está, (ou quer emergir, embora de forma não assumida) nessa condição: um ser anti-social. Porque se acha genial presume-se um ser aparte, diferente, acima dos outros. E os outros para ele, e alguns outros como ele, são formiguinhas. Ora para este pobres de espírito, já na curva descendente da vida, privados daquela outra vitalidade que faz de um homem um verdadeiro homem, só poderá haver uma resposta: complacência, tolerância. Daí o exemplo recorrente de Agostinho da Silva, sendo superior a eles todos juntos conseguia ser também um homem generoso, bondoso. Isto hoje desapareceu. E são estas ausências que fazem com que muito boa gente que fronteira hoje na casa dos quarentas/cinquentas - que não casou e vive com a mãe, o pássaro e o gato - viva desesperado dizendo ao mundo que o o único animal em quem confiam é o cão. Isto, além de patético, é também dramático senão mesmo trágico...
  • Será que a criação humana não tem nada de mais sério e estruturado para nos ofecer senão estas fidelidades caninas?! O que nos disseram autores como Marx, Kierkegaard, N., Baudelaire, Proust, Heideger, Nabokov. Dewey, Jurgen Habermas, Ralws a esse respeito... Só o figurão que um tipo faz a citar este fulanos todos... Do pouco que conheço dessa rapaziada do conceito sei que todos eles, cada qual à sua maneira e utilizando conceitos e abordagens necessáriamente diferentes aos problemas e às epistémes, tentaram fazer uma coisa: olear instituições, denunciar os erros e as injustiças do nosso mundo, assim como as suas fontes e os agentes que as perpetuam e fazer com que elas no final desenvolvam práticas mais justase menos cruéis. Daqui emerge uma responsabilidade social específica do autor, filósofo ou não: desenvolver ferramentas conceptuais que ajudem a identificar as raízes do problemas sociais e a aperfeiçoar os mecanismos da justiça.
  • A ironia, a sistematização das ideias, a crítica social, a denúncia fina, o romance, o conto, o ensaio tudo isso são os tais dispositivos capazes de combater as iniquidades do nosso tempo. A própria criação do homem - cientista ou não - é a de pugnar por essa denúncia da crueldade. A filosofia, e o filósofo muito em particular, deverá ser aquele agente activo que está vigilante na sociedade e não alinhar mais nas guerrinhas entre a ciência e a religião, o racionalismo e o irracionalismo e é, ao mesmo tempo, capaz de denunciar o radicalismo que uns milhares de fundamentalistas hoje tentam fazer deliberadamente truncando as declarações de uma conferência dada por Bento XVI que não foram lidas no seu devido contexto. A uns interessa a paz, a outros interessa a guerra, a filosofia está sempre contra a guerra - nem que para isso tenha de a combater com a sua arma mais mortífera: a razão, a ciência e a lógica.
  • Antes de se fazer a Justiça tem que se capturar a Verdade. E como é que a Filosofia consegue isso nos nossos dias? A receita parece-me relativamente fácil de atingir: transformar cada um dos filósofos em narradores do seu tempo e integrar boa parte da filosofia que se vai produzindo dentro e fora das academias em boa literatura (de denúnica) cuja intervenção social iria engrossar o caudal dos movimentos sociais transnacionais que lutam contra essa globalização predatória que pretende transformar cada homem numa commodity, subtraindo-lhe toda a liberdade de escolha, escravaizando-o. Julgo que esta seria a melhor forma de dar visibilidade à Filosofia, conceder-lhe um estatutto e uma importância social que ela não tem hoje em Portugal e, por extensão, demonstrar, na medida do possível, que ela pode ser perspectivada - ou perspectivar o mundo - com uma unidade empírica. Ainda que todas essas construções sejam, em primeiro lugar, construções da mente.
  • Para tanto quer-me parecer que à Filosofia só falta três pequenos instrumentos para cumprir essa missão: o microscópio para ver as coisas excepcionalmente pequenas; um telescópio para as ver ao longe e um Macroscópio - ... para as ler aqui no café com muita Filosofia mas sem açucar.
  • Apesar de Richard Rorty nos ajudar a formular a interrogação inicial nós por aqui dizemos que já é tempo da Filosofia deixar de ser aquele parente pobre das humanidades que está sempre de "perna aberta" para colmatar falhas e insuficiências nas outras ciências, valorizando-as, mas quando é chegado o momento dessas outras ciências sociais e ciências duras darem o seu contributo para a alavancagem da Filosofia parece que tudo fica na mesma. Isso é tanto lamentável quanto se presume que isso ocorre pelo receio que a Filosofia infunde naqueles que têm - sempre tiveram - medo de pensar em vox alta.
  • Ora, também aqui o Macroscópio diz que a filosofia é uma ciência que jamais pode ser manipulada por gente temerata ou mesmo cobarde que faz dela não uma ciência universal e de cruzamento de múltiplos saberes, mas um instrumento de promoção pessoal cujo benefício para a sociedade é zero. É tempo da filosofia zarpar para as mãos e para as mentes dos filósofos não-encartados - porque são os "encartados", precisamente, que ou não a dinamizam ou a estragam. Nada fazer é continuar a andar no fio da navalha... de Ockham que também deu um sinal de coragem à Humanidade e que hoje merece ser meditado...

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