A lição de Karl Polanyi e o affair "Compromisso Portugal"
- Como ele está estagnado ficam com o que têm.. Logo, há que mudar, por isso faz-se mais um Compromisso... Mas o nosso ponto prévio remete para o perigo que existe dessas forças privadas transnacionais e os mercados financeiros que os acompanham - em dominar a economia nacional duma lógica que não beneficia o bem comum, mas apenas alguns de entre eles. No fundo, o objectivo desse bando de gestores que já não sabe o que há-de fazer ao tédio que os assombra nos seus gabinetes decorre, em boa medida, do reconhecimento da impotência das política económicas tradicionais dos Estados nacionais, daí que o objectivo do sr. Carrapatoso seja, tão somente o seguinte: fazer deslizar os níveis de argumentação de imediato do domínio da micro-gestão no âmbito interno das empresas para o (putativo) interesse da macroeconomia. Como?! Mandando umas bujardas a powerpoint sobre políticas sectoriais (Educação, Ensino, Ambiente, Reforma do Estado e mais umas tretas) por forma a que daí resulte uma redefinição das políticas económicas do Estado e da globalidade das instituições sociais e económicas nacionais.
- No fundo, é isto que o bando de aves raras liderado pelo sr. carrapatoso deseja: estruturar a seu modo e gosto a arquitectura do sistema de políticas públicas de Portugal. Com efeito, isto é apenas uma mudança de título à clássica obsessão da competitividade industrial da década passada desenvolvida ao estilo de Miral Amaral em parceria com o economista norte-americano dos cachos (vulgo clusters) Michael Porter - que vendeu bem em Portugal e ajudou Cavaco a permanecer no poder. E o discurso determinista ou monista dessa gente que, em rigor, nem de economia sabe, é o de sustentar a ideia de que as nações ganham ou perdem na corida inexorável desencadeada pelos investimentos, financiamentos, comércio, inovações tecnológicas e bem-estar se não seguirem o figurino do pseudo-modelo económico ditado pelos amigos do sr. carrapatoso agremiados pelo tal Compromisso Portugal.
- Este é o perigo. O perigo do neoliberalismo sem regras, puramente selvagem - um pouco ao estilo das condições de trabalho que a Vodafone dá aos seus funcionários. É este o retrato do sr. Carrapatoso: alguém que deseja a ascenção hegemónica no campo político-ideológico dos países do Norte, recuperando aqui para o Sul - a retórica apologética da globalização predatória que apresenta a competitividade no mercado mundial como o objectivo n.º 1 para as mudanças radicais nesta longa caminhada que é a modernização e o desenvolvimento da economia portuguesa.
- O que o sr. carrapatodo desconhece, porque se calhar nunca ninguém lhe ensinou, e ele também não leu, é que só o mercado a funcionar é, por vezes, mais destruidor do que só o Estado a fazê-lo. Daí, que qualquer tentativa de imprimir à sociedade portuguesa um modelo que passe só pelas forças do mercado conduziram a sociedade portuguesa mais cedo à desgraça do que se fosse só o Estado a fazê-lo. Isto porque o sr. carrapatoso não conhece o pensamento misto, nem sequer sabem quem foi Karl Polanyi (ele só deve ter lido o velhinho Adam Smith..., e mal, talvez numa edição marada) - ou então julga que ele foi o inventor dos sistemas integrados que fazem funcionar os telemóveis.
- O sr. carrapatoso nem sequer sabe o que é o mercado, porque se soubesse não abria a boca para dizer tanta asneira. E não me reporto aqui às suas fugas fiscais que configuram mais casos de polícia ou de tribunal. É que até o mercado, longe de ser uma evolução natural, espontânea e auto-reguilada, foi uma invenção do Estado, foi uma criação do político sobre o económico, e até a moeda foi por ele criada de par com as polícias para, desse modo, garantir a formação e continuidade do Estado numa fase em que tudo ainda era instável.
- Ora, as propostas presentes naquele Compromisso revelam o perigo do tal monismo neoliberal de pensamento único que literalmente tritura a sociedade (especialmente, os sectores sociais mais desfavorecidos) - e também um gritante desconhecimento dos processos históricos que só é possível aceitar se reconhecermos que aquelas pessoas - que não passam dum bando de vaidosos ensimesmados com o seu próprio ego, sabem tanto de economia como Mário Soares de terrorismo e carrapatoso de sistemas integrados.
- Quer-me parecer, em síntese, que a especialidade do sr. "voda-voda" é mais fuga aos impostos. Aqui ele mereceria não um, mas 100 doutoramentos honoris causa, pelo que aqui, o Macroscópio, desde já (irónicamente, claro está!!!), se digna recomendá-lo ao sr. Prof. Cavaco Silva que lhe o atribua no próximo 10 de Junho. Embora neste ponto continuemos a pensar como o Jumento, que o PR se deveria efectivamente ter informado, designadamente através do seu Chefe da Casa Civil, um técnico prestigiado, experiente o politicamente competente, Nunes Liberato, acerca de quem é, efectivamente, esse tal Carrapatoso, e qual é o seu currículo em matéria de contribuições fiscais. Assim, fica sempre a dúvida de que para o PR uns são filhos e os outros são... E isso nem é bom para o PR - que recebe quem não deve, nem para o País cuja sociedade se sente tratada de forma discriccionária pelo mais alto majistrado da nação.
- Depois desta extensa nota prévia acerca da total inutilidade do Compromisso Portugal, vamos ao que interessa:
Um modelo de justiça nas Relações Internacionais O mundo globalizado gera duas tendências contraditórias: o mercado global abre perspectivas de uma riqueza sem precedentes; mas também gera vulnerabilidades patentes no gap entre ricos e pobres dentro de cada sociedade. A poderosa vitrine que é a Net amplifica tudo isso à velocidade da luz. Nesta bifurcação, os Estados e as empresas mais desenvolvidos integram-se na economia global; os restantes são excluídos, apanhando os salários e os padrões de vida mais baixos. Temos, pois, um mundo dual: elites cosmopolitas a acumular vantagens; e “multidões” de pobres dobrando esquinas nas periferias das urbes europeias.
Por isso, o ataque à globalização sofre dum crescente radicalismo económico, maxime em países onde a elite governante é pequena e as desigualdades aumentam. O perigo reside na formação duma classe média-baixa permanente em todo o mundo, tornando difícil o consenso político para as reformas necessárias ao desenvolvimento. O desafio está em mitigar crescimento económico com visão política para encontrar alternativas à lógica do “colete negro” neoliberal. Prevenindo a paralisia dos 3 motores da economia mundial (EUA/Europa/Ásia) que hoje ameaça destruir as instituições democráticas mercê de pressões políticas globais.
A finalidade é induzir justiça no sistema de relações internacionais/SRI. Mas isso não se consegue só com o Estado, para muitos a fonte do mal. Se o Estado substituísse a política, a paz e a justiça - tudo seria mais fácil na dinâmica dos povos. Porventura, o mais difícil é reformar os Estados que vivem só dos seus recursos naturais, desamarrá-los desse dinheiro fácil que faz dos petro-Estados autocracias.
Em 1944 Polanyi (que Soros copia sem citar) previu a queda das 4 instituições do Ocidente: 1) o balance of power; 2) o padrão-ouro; 3) a auto-regulação do mercado; 4) e o Estado liberal. Duas instituições são económicas, a outras duas são políticas.
Eis a utopia que ruiu no séc. XX. Será que hoje o Estado liberal pode regular os mercados? Neutralizar o terrorismo por recurso ao balance of power? Não. O mundo mudou. Hoje os mercados (desregulados) agridem as sociedades, telecomandam os Estados. Daí a dialéctica do duplo movimento de Polanyi: 1) libertação das forças de mercado do controlo estatal; 2) e o refluxo a esse controlo pelo Estado, para aliviar os efeitos corrosivos do mercado nas sociedades.
Se aplicarmos a lição de Polanyi ao mundo actual, constatamos que as forças (anónimas) do mercado alimentam actividades especulativas e ilícitas associadas ao crime organizado, financiamento do terrorismo, branqueamento de capitais bloqueando as reformas no sistema e inibindo a justiça nas RI.
E se repetirmos o exercício com o modelo do Banco Mundial/BM aplicado ao Chade (rico em petróleo), na África Central? Só que aí as multinacionais condicionaram o seu investimento local à erradicação da (crónica) instabilidade política. O BM aceitou “abençoar” um projecto, emprestando dinheiro ao governo para se associar ao consórcio internacional (Exxon-Mobil) para extrair petróleo. Mas colocou a seguinte condição: o Parlamento chadiano teria de aprovar uma lei garantindo que 80% das receitas do ouro negro seriam investidas em saúde, educação e infra-estruturas rurais; 5% para beneficiar populações vizinhas; 10% ficariam cativos num fundo para prover às futuras gerações; e os 5% remanescentes seriam gastos como o governo aprouvesse.
Para que o modelo funcionasse o BM exigiu que todas as receitas fossem depositadas numa conta off shore gerida por uma comissão independente de chadianos ilustres. A simbiose da economia com a política pode rentabilizar o modelo, que poderá ser reproduzido em qualquer ponto do mundo e servir de alternativa à aprovação dos (orçamentos) europeus que desrespeitam o PEC. Poderá a “má” Europa aprender com a “boa” África?
- Reflexão extraída do nosso livro - Em Busca da Globalização Feliz, pág. 200-202
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