sexta-feira

Rugas do tempo, dobras na sociedade: crise política e crise da política

Há dias com acordares estranhos: rugas na mente, dobras na sociedade - como se ambos fossem panos velhos, ressequidos e enxovalhados que já não valeria a pena engomar por se ter a certeza de que já não esticariam nem assumiam um novo facies. Por analogia, justaponho aqui o conceito da crise política que julgo estarmos a viver em Portugal, apesar do PM se esfalfar em dizer o contrário. Também não somos nós aqui que o vamos contrariar... Até porque Sócrates é tipo porreiro, moderno, bom porte e quando se descontrai consegue ser ainda mais simpático, como o sol de Portugal. Mas o problema não está nessa temperatura... Ou melhor, o termómetro do poder também passa pela crise das políticas públicas (pouco efectivas e eficazes). Mas aquelas rugas e dobras - que pautam a crise - não problematizam a própria composição do poder (que é maioritária, estável e caninamente obediente), mas questionam a sua reprodução e abre a oportunidade para uma outra formação de poder, seja através de eleições, seja por via da renegociação de alianças. Questões que ora, verdadeiramente, não se colocam. Mas as rugas de que aqui falamos não são as do governo, situam-se num plano diferente, estão associadas ao vacuum de ideias e de construção de alternativas estruturadas oriundas da oposição. Parece que Portugal entrou mesmo num bêco de Alfama, e de lá já não consegue sair. As rugas e as pregas de que aqui falamos - a proclamada crise - está associada às condições da governação estratégica e da orientação da sociedade, decorre da sua produção política e só indirectamente se repercute na formação e/ou composição do Poder. Desta feita, as rugas e as pregas que me acordaram hoje estão inscritas no ADn de Portugal que aquele mapa - que mais parece um Portugal dourado (mas a arder) nos suscita. Mas a conclusão que se impõe é que pode existir crise na política mesmo quando a formação do poder é maioritário, à qual se junta agora aquele vaccum da oposição e ao contexto de incerteza estratégica pautado pela globalização predatória - de que a GM é apenas um exemplo - que se reflecte na ambiguidade das linhas de orientação de condução política da sociedade. Assim, crise política e crise da política - são duas configurações distintas: aquela aparece quando tanto o exercício do poder como as propostas da oposição perdem visão de futuro, perdem o seu poder de condução dos destinos colectivos. Logo, crise da política ocorre quando a sociedade fica bloqueada, presa numa ruga ou dobra do tempo - como hoje nos encontramos. Fixados numa imagem do passado, não conseguimos galgar os 700 m. barreiras dos obstáculos do futuro, apenas continuamos uma imagem do espelho retrovisor da estória (sem "h"). As crises da políticas - verificam-se quando o eleitorado não tem condições para formular uma solução, dado que está condicionado às escolhas que os partidos tornarem possíveis, e só essas. O eleitorado, a "borregada", mais não faz do que ratificar o que vier a ser decidido pela resposta dos partidos à crise (estratégica) da política, ficando o eleitorado - igualmente preso nas dobras do tempo, encalhado nas rugas gigantes da sociedade, uma vez que não consegue caminhar em terreno minado, e assim não é possível produzir inovação política que recupere as condições de orientação estratégica duma sociedade: de Portugal. Julgo ser esse o sentimento de qualquer homem esclarecido que tivesse assistido ao debate da nação no Parlamento há dois dias. Em "rugor" (que é um rigor com rugas, e o Pm já vai tendo algumas porque governar envelhece, e quando pouco se governa ainda se envelhece mais), as rugas e as dobras do tempo e da sociedade mais não são do que a crise política e a crise da política. Dois conceitos, duas configurações que hoje entalam Portugal na dobra do III milénio e ameaçam espremê-lo até à última, ainda que nos digam que vivemos desafogados e com horizonte e zenite a perder de vista...Terei, teremos nós - interpretado mal aquele mapa dourado, mas a arder???

  • PS: Dedicamos esta peça de arte, o mapa, a José Sócrates, PM de Portugal - que também já vai tendo algumas rugas e outras que estão inscrustadas na sociedade portuguesa que ele terá de fazer o favor de ajudar a resolver.