Obrigada Felipão
Obrigado, Felipão
José Manuel Barroso
Jornalista
Um bom e grande amigo meu encontrou-me há dias, após um tempão sem nos vermos, e disparou directo: "Li aquele artigo teu sobre a selecção e os símbolos nacionais e acho que estás cada vez mais reaccionário." Assim: "reaccionário". Eu sorri, dei-lhe o abraço saudoso da praxe e respondi no mesmo tom do artigo que escrevera: "Não sei quem o estará mais ou menos, mas se não reconheces o orgulho das pessoas no gritar o nome de Portugal, no agitar a bandeira das quinas e no cantar o hino, algo de errado continua a haver no teu progressismo. Afinal, é ou não o Povo 'quem mais ordena'? Se não entendes o teu povo, como podes ser progressista?" Rimo-nos um pouco e passámos ao outro lado da conversa. Acabando, claro, por beber um tinto de estalo em homenagem aos feitos da selecção. O que foi um desfecho verdadeiramente "reaccionário" para o reencontro: bandeira, hino, futebol e... um bom vinho congregador de afectos. Obrigado, Felipão!
Escrevi "obrigado, Felipão!", porque este gaúcho de raça uniu Portugal como há muito se não via. E uniu Portugal - mesmo se de futebol se trata - de um jeito em que muitos de nós deveríamos meditar. Traçou metas, que perseguiu com determinação; escolheu, entre os melhores, aqueles que tinham qualidade e vontade de vencer; criou um espírito de corpo e firmou a ambição na força do colectivo; foi imune às pressões externas e aos interesses particulares; e à força conseguida do grupo somou a sua qualidade profissional e a sua enorme experiência. Por isso estamos onde estamos, partindo de um patamar realista e, realisticamente também, alargando horizontes de ambição na exacta medida do subir da montanha. Que lição e que exemplo inspirador para todos nós!
Por isso, também, senti como pequena vingança pessoal o amargo de boca de um naipe de "comentaristas" de um dos canais de TV - onde pontificam alguns dos mais abstrusos críticos de Scolari - ao terem de engolir, mesmo se com uma pontinha do fel de sempre na ponta da língua, o êxito do técnico e da equipa. Mesmo perante a realidade, eles não fugiram à dúvida sibilina, em nome de uma competência sobre a matéria que não têm, mas que arrogantemente assumem. Poderiam ter com humildade corrigido o erro, mas não. Cederam um pouco, face à força dos factos, mas com aquele ar sapiente de quem espera um desaire futuro para voltar à vaca fria. Desculpa Felipão, há por aqui gente que não merece o teu trabalho honesto, a forma como te identificaste com Portugal e os portugueses e a alegria que lhes proporcionaste.
De resto, na "análise" do dito painel ao jogo com a Inglaterra, houve algumas coisas que me constrangeram como espectador. Logo, o facto de essa "análise" ter sido entregue, predominantemente, aos comentadores de bancada, remetendo para segundo plano a opinião do técnico que estava no estúdio em Lisboa e que era, naturalmente, o único dos convidados que sabia a fundo do que falava. Decorrente disso, o prejuízo, para o espectador, do facto de lhe ser retirada a possibilidade de "ver" o jogo e o comportamento da selecção explicados por alguém competente, dando-se vantagem ao desconhecimento. O que nos conduz, por fim, ao mais constrangedor: à tendência, patente em muitos media, de chamar ao comentário principal pessoas ignorantes do que falam, apenas porque são mediáticas. Mas que transmitem à opinião pública uma ignorância vestida com "traje de luces", deseducativa e muitas vezes mesmo arrogante.
Uma das coisas de que gosto, na TV brasileira, são os debates sobre o futebol. De um modo geral, os painéis de comentaristas são compostos por gente diversa, em termos de opinião, mas toda ela profunda conhecedora da matéria de que fala. Por cá, em certos casos, só nos falta termos as personagens das passerelles da moda a comentar o futebol (ou outras coisas). Quanto maior a capacidade de asneira, maior a difusão.
Embora José Couceiro não tenha conseguido, nesse dia, por razões que lhe não pertencem, fazer passar o seu comentário competente, a José Mourinho, noutro canal, foi-lhe dada essa possibilidade. A sua participação altamente profissional, como habitualmente e sem omitir eventuais discordâncias, foi um exemplo de quem pode e deve estar, nestes dias, no centro do comentário.
Felizmente, o "clube Portugal", através do seu orgulho nacional, do hino e da bandeira, desmente todos os dias o "progressismo" dos neoconservadores. Obrigado Felipão, obrigado Figo (cuja voz de protesto contra a mediania crítica do painel foi impedida de chegar aos espectadores), obrigado aos que nos deram alegrias, afirmaram o nosso orgulho nacional, os "heróis do mar, nobre povo" - e nos ensinaram que somos capazes, com trabalho, determinação e competência.
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- Nota: Faça-se uma xerox deste artigo e coloque-se o mesmo à disposição nos balneários da selecção nacional que amanhã terá de "ensinar" os franceses a tocar piano dentro das quatro linhas. Oxalá... Costuma-se dizer que Deus é brasileiro, mas como o Br. já ficou pelo caminho Deus será bem capaz de olhar para a História e ajudar-nos a ter, novamente, o tal golpe d' asa e engenho para enfiar uma coisa redonda numa baliza tão grande. E depois, se possível, repetir o acto várias vezes, para que não restem dúvidas. Como há dias alguém dizia via satélite: este Mundial transformou-se no Europeu, e o único não-europeu é Scolari que é, curiosamente, hoje o homem mais português de Portugal. As ironias que as malhas da história tece...
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