Homenagem a quem..
Um dia pensei qual seria o texto de homenagem que gostaria de receber quando partisse. E a melhor forma de operacionalizar essa estranha cogitação foi elaborar uma dessas notas, tendo por referência não só as pessoas que vão morrendo (e de quem naturalmente gostamos), como também aquelas que morrem mas que nos deixam em vida uma montanha de ideias, de equações e de fórmulas sociais, com que nós, em vida, podemos fazer mais e mais omeletes, mesmo que o colesterol não nos permite comer ovos. Esta é, pois, a omelete intelectual que hoje me assaltou o espírito. Mas devemos por-nos sempre na mente daqueles que o poderíam fazer. Lembro-me, por exemplo, daqueles que conheceram e privaram com Peter Drucker, esse sábio do séc. XX que ora partiu. Mas que deixou um mar vivo de sensações e de ideias, uma corrente de consciência que só pára quando deixarmos de ter imaginação para comer omeletes, mesmo que os níveis de "castrol" não o permitam. Aqui vai essa homenagem em abstracto, mas que, com jeitinho, poderia, ser particularizada a cada um dos nossos amigos, que directa ou indirectamente - nos tocaram ao longo da nossa vida. No coração e também nas molas que temos mais acima: nos neurónios..., e que às vezes nos ajudam a pensar.
AMIGO:
- Queria-te com a mesma ternura e afecto com que se quer a um pai ou a um irmão. Mas além disso não havia entre nós os pudores e acanhamentos que por vezes fecham as comportas entre as almas de pais e de filhos ou de irmãos. Tu sabes, amigo, que para eu - esse tal ser estranho que conheceste - decida agora dizer-te adeus na 1ª página de um livro é porque tenho o coração tão cheio que nem me importam os olhares e esgares que os estranhos possam lançar à nossa amizade. Quando te despediste de mim, senti-me vazio, oco, a desfalecer, sem (mais) estrutura óssea. Foi como se os meus ossinhos virassem súbitamente um montinho de pó, dissipados com um simples espirro de Outono... Foi como se eu tivesse deixado de ser gente e me tivesse transformado em qualquer coisa tão inerte como uma pedra, daqueles que habitam as planícies alentejanas. Estes têm sido os dias mais tristes da minha vida, cheios de pedras que não consigo (de)mover. Foi agora, de regresso do cemitério, que pensei o que poderia dizer, escrever-Te. Daí o escolho em desabafar aqui a minha triste saudade, como são quase todas. Não tenho outra intenção particular, senão sentir-me mais perto de ti, sentir-te de novo vivo, olhando e falando comigo, vivo, bem vivo. Porque tudo quanto eu tenha feito ou possa fazer um dia o devo à tua compreensão amiga e afectuosa. Ao calor da tua amizade e à tua límpida compreensão. Qualidades que despertaram em mim coisas que desconhecia ter, e hoje me suscitam um sentimento de confiança e paz. Digo-te adeus, amigo, mas esta saudade é uma flor que nunca murchará.
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