Reglobalização e o muito "Sul" que há no "Norte"...
- Recentemente, cerca de mil advogados de todo o mundo reuniram-se em Lisboa para discutir temas ligados à profissão, à globalização da lei e direitos humanos. Israelitas, árabes, indianos, europeus, norte-americanos, russos, entre muitos outros, todos sob a língua de Camões e a tutela do Presidente da República, dr. Jorge Sampaio, que agora foi a França falar sobre a educação e o aborto e condoer-se com as mulheres que abortaram e caíram nas malhas da lei. Mas o propósito desta mega-reunião de advogados era propor uma reforma da Carta da ONU, tendo em conta as recentes falhas da Organização, máxime em casos de violação dos direitos humanos e de atentados terroristas.
- A preocupação foi expressa na abertura do Congresso da União Internacional de Advogados (UIA). Este evento serve, aqui, apenas, de epifenómeno de uma desordem maior que decorre do facto de a ONU ter de se adaptar a uma nova conjuntura internacional. Especialmente, quando a detenção de armas nucleares, o tráfico de seres humanos, o branqueamento de capitais, as disparidades Norte/Sul, o fundamentalismo islâmico marcado pelo anti-ocidentalismo e outro tipo de fanatismos, deixou de ser um factor de segurança internacional.
- Mas o mais interessante do Congresso da UIA, que pediu o fim do direito de veto no Conselho de Segurança da ONU pelos cinco detentores da arma nuclear, talvez tenha sido o facto de o Chefe de Estado português ter elogiado a globalização e as circunstâncias favoráveis que ela gera para as pessoas.
- Todavia, ainda é cedo para conhecermos com rigor a dimensão e as consequências da “Carta de Lisboa” (reformadora da ONU) e dinamizadora de todo o processo político de globalização competitiva. Mas podemos, à margem do discurso oficial, repleto de salamaleques, imaginar um diálogo, talvez caricatural, mas não de todo irrealista, entre o Norte rico, rápido e desenvolvido e o Sul pobre, lento, atrasado e de raça não branca.
- O objectivo é compreender a urgência de futuro na celebração do novo milénio e, ao mesmo tempo, contrastar o desejo de segurança e a aceitação do risco sem deixar de valorizar os mercados, as competências e os equilíbrios sociais. Por isso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Atentemos, pois, neste diálogo (de surdos):
- Sul: temos necessidade de mais e melhores condições.
- Norte: trabalhem e economizem mais, façam como nós.
- Sul: mas vocês controlam as grandes organizações económicas e financeiras internacionais, como o FMI, o BM, a OMC. São elas, a vosso mando, que nos impõem os preços dos produtos (açúcar, cobre, bauxite, café, linho) e definem as quotas de produção. Até querem controlar o O2 que respiramos. Estão a asfixiar-nos lentamente, e isso é mau.
- Norte: tenham confiança no mercado. Além disso, não tememos chantagens.
- Sul: o laisser-faire de Adam Smith é só teoria que nos deixa na miséria. Não nos alimentamos da mão invisível e também temos filhos.
- Norte: querem é mais subsídios, empréstimos baratos e a longo prazo para alimentar a vossas elites corruptas que agravam as condições de vida das populações.
- Sul: ou nos dão mais ou lá teremos de recorrer à rede global de violência oculta. Mais uma bombinha na Big Apple, outra no Capitólio e nas praças financeiras da Europa, e mais uns fragmentos de TNT nas capitais do mundo que manobram aquelas organizações económicas que nos fazem a vida negra. Exigimos uma nova ordem internacional: reformem e democratizem a OMC, o BM e o FMI. Convençam os EUA a desbloquear o impasse criado no FMI sobre as emissões de Direitos Especiais de Saque (DES). Senão a rede global de terrorismo cresce que nem cogumelos e vocês morrem que nem tordos no meio dos dólares onde chafurdam.
- Norte: só se derem incentivos e isenções aos investimentos das nossas multinacionais. Quem sabe assim beneficiarão os vossos know-how, produtividade e salários.
- Sul: o colonialismo e o Faroeste já acabaram. Não são agora as vossas empresas que vão engordar à custa da nossa desgraça, secando as nossas matérias-primas. E se nos enviarem o refugo da vossa tecnologia – inadequado ao nosso estádio de desenvolvimento – rejeitamos qualquer cooperação.
- Norte: deixem-se de tretas e olhem para a Coreia do Sul, Japão, Singapura.
- Sul: não temos paciência para ouvir gente gorda, rica e cada vez mais arrogante.
- Conclusão: não devemos travar a globalização, que causaria danos irreparáveis à humanidade. A nossa civilização é uma herança mundial, e não uma colecção de culturas nacionais. Paradoxalmente, até os protestos anti-globalização são dos eventos mais globais do mundo contemporâneo, além de violentos e fortemente mediatizados. É essa elite nómada, cosmopolita, que tem recursos para viajar e reorganizar o capital de queixa mundial, que forma uma parte da globalização que diz combater. O verdadeiro mal-estar reside na desigualdade entre as pessoas. Conforto e miséria coabitam tragicamente. A tecnologia, os recursos e o controlo do rendimento é assimétrico conduzindo o homem a privações desconcertantes. Por vezes, e não é necessário ter a coragem de K. Annan, É preciso atacar as instituições humanas para as renovar.
- Espero não ter confundido moinhos-de-vento com gigantes, nuvens de poeira com exércitos, nem a imaginação com a razão, senão, quando os gigantes forem conquistados, ainda exigimos o seu espólio legal. Que também é uma maneira de elogiar Cervantes e o seu D. Quixote.., por muitos considerado como o melhor romance do mundo... Um romance que está regime de comemoraação, o que também representa um traço da re-globalização dos nossos dias.
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