A Marinha Grande...
- Só há 2 anos conheci a Marinha Grande. Tinha o preconceito de que aquela gente era toda violenta, barbuda, comuna e nada hospitaleira. Saíu-me tudo ao contrário, felizmente, e desse avesso da memória, já com o pré-conceito bem enterrado, emergiu um traço que pintei sobre aquela terra, aquela gente.
- Alguns artistas são uma outra espécie de espelhos. Basta ir à Marinha Grande (MG) para perceber a grandeza desta gente e da sua obra e história. Cada homem é um artista. Todos integram a rapaziada do conceito. O objectivo desta reflexão, terminado o ano político entre S. Bento e Belém, e com a classe política a banhos e Portugal a arder como uma bola de ténis com resina lá dentro, é perceber que há vida além da Capital, centro da intriga nacional. Parece estranho, mas é no paradoxo da geografia que encontramos amigos e história por fazer.
- Aí compreendemos que a análise política da Nação também se pode fazer a partir do ciclo dos moldes, do plástico, da cultura, enfim, da capital do Vidro cujo carburante (foi a lenha do Pinhal de Leiria) que o poeta designou de “catedral verde”. Daí a utilidade, apesar da crise, de Portugal pôr os olhos na MG, e veja que homens como John Beare e Guilherme Stephens (e muitos outros até hoje), contribuíram para o enriquecimento industrial e cultural do concelho, pelo fomento duma cidade à sombra de uma mancha florestal.
- De facto, a importância do Pinhal de Leiria para o desenvolvimento da indústria vidreira foi tal que o Marquês de Pombal, para assegurar que não lhe faltaria esse combustível, mandou colocar no átrio da fábrica os seguintes dizeres, como sistematiza a obra de João Rosa Azambuja (Cidade da Marinha Grande) e se lê à entrada do belo Museu do Vidro: “Por ordem de Sua Majestade todas as lenhas do Pinhal que estão em huma legua o redor deste marco pertencem à fábrica dos vidros – 1776”.
- Sendo impossível historiar aqui todo esse trajecto, importa colher a lição deste génio invisível da cidade, desta força d’alma que brota da MG, que advém do trabalho e do vigor da sua população que ao longo dos anos construiu uma cidade e um concelho. Com gente rica e pobre, altiva e humilde, que passou a vida a serrar tábuas que permitiu realizar a 1ª vaga de globalização nas caravelas que zarparam rumo à Índia e ao Brasil.
- Nesta óptica, e na senda de D. Dinis e Santa Isabel, os marinhenses foram globalizadores: reforçaram a estrutura económica do país e seguiram o exemplo do Infante que fez a gesta dos Descobrimentos e encurtou o mundo. Travando a batalha mais dura (a do trabalho), a regra é a competição, o método a revolução das mentalidades que conduziu ao progresso. Um progresso feito da madeira do Pinhal real, potenciado na construção naval e maximizado no comércio marítimo, nas pescas, nas Descobertas e no vidro.
- Entretanto a realidade económica, social e tecnológica evoluiu, e o ciclo do vidro é vencido pelo ciclo do plástico. Alguns empresários buscam o isolamento, outros a associação, mas todos anseiam singrar e esquecer o passado penoso. Uns apostam mais no sector de exportação, como Ivo Neto; outros, pela dimensão, não têm fronteiras, como Jasmim de Américo Gonçalves que deliciam os visitantes com um espectáculo ao vivo de manipulação do vidro.
- A formação de amizades, alianças, rixas e romances entre pessoas reunidas pelo destino comum faz o caldo psicológico que concorre para a integração das populações na catedral verde, como lhe chamou o poeta Afonso Lopes Vieira, cuja casa-exposição se pode ver no paraíso que é S. Pedro de Moel. Local balnear onde a praia desafia o homem.
- É, pois, nesta polis do conceito, que cada lapidário e gravador, (como Vitor Aquino, Libano e outros) ambiciona a perfeição trabalhando cirurgicamente no seu atelier. No fundo, esta arte do sopro para moldar formas e dar utilidade aos objectos da nossa civilização, converge com a praxis política que nos (des)governa. Em ambos os casos é necessário a arte da dosagem de cada uma das matérias-primas a utilizar em ordem a obter-se estabilidade, resistência e máxima transparência.
- Tal como a política, a arte mais nobre, a manipulação do vidro (para uso doméstico, industrial ou científico) é uma permanente fonte de inspiração, que poderia ajudar os políticos a moldar os destinos de Portugal e a aumentar o volume da “bolha” do desenvolvimento que carecemos. Por isso, seria útil acolher a seguinte ideia: em vez dos políticos irem a banhos para os locais do costume, misturando-se com o jet set estéril e fútil, aproveitassem as férias para fazer um estágio na arte do sopro na MG. Talvez a soprar fossem ao longe, elevando o país (pelo exemplo) para um patamar de confiança e sustentabilidade.
- Sugeria até que a definição desse programa de estágio ficasse a cargo da rapaziada do conceito nesta cidade das formas feita de verde (e mar revolto). E nada melhor que eleger os anciãos da MG para guiar os estagiários da política na compreensão do ciclo do vidro e da lógica da sua transformação. De preferência sem bolhas e sem infundidos.
- Aos candidatos interessados, caso não tenham referências, adiantamos o nome de um rapaz do conceito: especialista em moldes e já quase octogenário. É o mestre Francisco de Jesus Fortunato. Mas na Av. 1º de Maio responde por Chico.
- PS: com tanto progresso e civilização que diria hoje D. Dinis da bola de fogo que consome Portugal?!
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