O reconhecimento de Estados na ordem internacional

O reconhecimento político decorre assim duma verificação formal, mediante actos diplomáticos, de que o novo ente soberano passou a ter uma existência na ordem internacional. No caso da Venezuela, não se trata de reconhecer o Estado em si, que já existe, o que se reconhece é a legitimidade de um presidente interino, J. Guaidó - que fica investido de conduzir o país para um contexto de eleições livres, justas, inclusivas e internacionalmente válidas em ordem a permitir que todos os venezuelanos possam votar em condições de liberdade.
Será isto permitido numa ditadura? É óbvio que não, mesmo sob grandes pressões internacionais, com sanções à mistura, é questionável.
Para agravar toda esta situação na Venezuela, onde existe uma viva comunidade portuguesa, muitos dos quais são pequenos empresários que dinamizam o tecido económico nacional, existem no momento dois presidentes, formados por duas legitimidades distintas e com poderes muito variados: (1) Maduro, que tem o apoio da clic militar e domina o aparelho de poder militar e do chamado aparelho de Estado e goza do apoio internacional da China e da Rússia de Putin; (2) o outro, J.Guaidó - que tem o apoio de milhões de venezuelanos descontentes com a forma como o ditador tem gerido o país, onde não há bens essenciais primários necessários à vida, medicamentos e uma inflação galopante que não permite a ninguém organizar a sua vida pessoal e familiar, daí a emigração massiva, a fome, as mortes nas ruas e os oprimidos e presos por delitos de opinião a quem a ditadura de Maduro jamais perdoará a manifestação de liberdade. Como não perdoaria Hugo Chaves... Guaidó conta ainda com apoios de peso da Comunidade internacional, desde logo os EUA de Trump e, talvez um pouco a reboque deste, a União Europeia.
Todavia, mesmo que um Estado reconheça outro como membro ou parte da sociedade internacional - este reconhecimento pode demorar anos a concluir-se e envolver uma grande diversidade de negociações com vista a subscrever tratados internacionais com base nos quais se avalia a observação de um conjunto de normas.
Recorde-se, a título de exemplo, que o Brasil proclamou a sua independência em 1822, mas esse processo de reconhecimento por parte do Rei de Portugal só ocorreu três anos depois, em 1825, através de um Tratado de Paz e Aliança, o qual contou com os bons ofícios da Grão Bretanha, que hoje, curiosamente, precisa da ajuda de todos os países da União Europeia em resultado desse erro colossal que foi o Brexit iniciado, perversamente, pelo Sr. Cameron, de quem nunca mais se ouviu falar. Curiosamente, os EUA foi o primeiro país a reconhecer o recém-criado Brasil em 1824, um ano antes de Portugal o fazer.
Ou seja, o reconhecimento de um Estado nascente por parte doutro(s) pode ser um processo simples e linear, mas também pode ser um processo longo e complexo e depender de inúmeras negociações e de variáveis e económicas e financeiras. E no caso da Venezuela, é bom lembrar que é dos maiores produtores de petrólo do mundo, ainda que não tenha grande capacidade em matéria de refinarias (que encerraram).
A posição de Portugal está enquadrada pela UE, de reconhecer Juan Guaidó, como o único actor capaz de encaminhar a Venezuela para eleições livres, justas, inclusivas e internacionalmente válidas. Atendendo a que Portugal tem uma grande comunidade de portugueses na Venezuela pode haver um risco destes serem mal tratados pelo regime de Maduro, como represália para com o governo português que, enquadrado pela UE, acabou por ir a reboque da posição norte-americana, que foi de reconhecimento político a Guaidó.
Imagine-se que, no limite, Maduro até assegura eleições livres e internacionalmente monitorizadas na Venezuela, e após o acto eleitoral Maduro consegue arrecadar mais votos e, desse modo, ganhar as eleições à oposição democrática...
Ainda que seja um cenário remoto, é lícito perguntar como ficará, nesse contexto, a posição de Portugal e do conjunto dos países da UE face à Venezuela?
Em suma: se Portugal e a comunidade internacional nada fizessem para ajudar os venezuelanos a sair daquela ditadura e situação económica e social explosiva havia, seguramente, elevados riscos de conflitualidade, fome, emigração, opressão, enfim, problemas humanitários e graves violações ao direito humenitário típicos das ditaduras. Como Portugal entende, e bem, alinhar com a posição da UE, no sentido de pressionar o ditador a conduzir o país para eleições livres e justas, o risco persiste igualmente.
Entre fazer algo e nada fazer, creio que a resposta é óbvia!!!
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