O papel de cavaco - por Pedro Adão e Silva -
O papel de Cavaco
Nas últimas semanas, o Presidente tem estado a desempenhar o seu papel, não tanto o que lhe está consagrado constitucionalmente, mas aquele que definiu para si próprio na encenação em curso. A carta entregue na segunda-feira ao secretário-geral do PS (e não, note-se, a António Costa) tem um conjunto de questões razoáveis, mas também de resposta fácil e uma surpreendente.
O que espanta não é tanto que Cavaco Silva (e não, note-se, o Presidente da República) tenha "dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura" ou que procure garantias quanto ao cumprimento do Orçamento 2016; o que é inusitado é que tenha indigitado Pedro Passos Coelho (e não, note-se, o Presidente do PSD) sem colocar o mesmo tipo de condicionantes. Tanto mais que não se percebe de que forma a solução minoritária PSD/CDS iria garantir a estabilidade ao longo da legislatura - o que, naturalmente, não poderia deixar de contribuir para enervar os sacrossantos mercados.
A carta de Cavaco Silva serve, por isso, no médio prazo, para memória futura e, no curto, para fragilizar politicamente o próximo primeiro-ministro (que lindo contributo dá, portanto, o Presidente - ou será Cavaco Silva? - para acalmar os mercados e defender a imagem.
Onde a carta surpreende mesmo - como, aliás, registou com perspicácia Marcelo Rebelo de Sousa - é na preocupação revelada com a "estabilidade do sistema financeiro". Se bem me recordo, as últimas referências ao tema da parte de responsáveis institucionais foram para enfatizar que tudo era um mar de rosas no sistema financeiro, a saída limpa tinha sido um sucesso, a resolução do caso BES não teria custos para o contribuinte e, há um par de meses, o Estado até lucrava com o empréstimo ao fundo de resolução. Pelos vistos, fomos enganados e o próximo Governo vai ter de lidar com problemas nos bancos. "Estranha" e "insólita" esta preocupação de última hora. Será que a mesma foi transmitida, também, a Pedro Passos Coelho (e não, note-se, ao primeiro-ministro em gestão)?
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