A realidade não existe - por Miguel Albergaria -
Opinião de Miguel Soares Albergaria *
“La réalité n’existe pas”
Este é o provocante título do número de Julho-Agosto da revista de divulgação científica La Recherche
* Ensaísta, membro do Núcleo de Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (ICPD). Escreve segundo o novo acordo ortográfico
A resposta do modelo standard da física, no artigo referido e alguns seguintes, é paradoxal. De um lado, pretende-se conceber a cerveja por redução sua a um pequeno menu de partículas e respetivas forças de interação. Mas, do outro lado, enquanto a montagem destas últimas no que chamamos “cerveja” bem parece manter-se entre dois goles, as suas partículas apenas ficam determinadas em cada observação – A parede mantém-se, mas não os seus tijolos!
O Dossier começa logo com uma resposta geral ao respetivo título, na entrevista em que Max Tegmark (pp. 24-27), professor de física no MIT, apresenta o seu livro Our Mathematical Universe: My Quest for the Ultimate Nature of Reality (Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2014):
A constituição do cosmos desmultiplicar-se-á em quatro níveis. No primeiro encontra-se o nosso universo – uma esfera com tudo o que nos é observável – mais aquilo de que não teremos notícia porque, supondo a inflação da expansão logo após o (nosso) Big Bang, a luz que assinale tudo isso nunca nos chegará, constituindo assim outros universos com as mesmas leis da física, mas eventualmente com diferentes combinações das partículas elementares (pudessem os seus habitantes viajar mais depressa do que a luz, e ainda nos encontraríamos com seres estranhos como os que povoam os filmes de ficção científica!).
A teoria daquela inflação cósmica estabelece um mecanismo de produção de Big Bangs; como não é provável que esse mecanismo apenas atue uma vez, no nível II abrir-se-ão tantos multiversos quantos os Big Bangs que ocorram. Cada um destes porventura com leis físicas diferentes (noutro multiverso onde a matéria se possa deslocar até mais depressa do que a luz já aqueles encontros fantásticos poderão verificar-se).
Entretanto, no nível III, dispõem-se os universos paralelos preditos por Hugh Everett na base da teoria quântica, em cada um dos quais se desenvolverá uma das histórias possíveis (haverá um universo em cuja Terra se encontrará um Portugal em tudo igual a este, menos na incapacidade de produzirmos o que queremos gastar… a não ser que esta história esteja fora do leque de possibilidades lógicas!). Finalmente, no nível IV, encontram-se as estruturas matemáticas que enquadram, ou regem, as combinações dos níveis anteriores.
Apenas estas permanecem independentes do que as ultrapassa. Pelo que Tegmark, assumindo-se como “platonista extremo”, considera que elas constituem a única realidade – ou seja, a estrutura composta pelos números naturais e pela operação de adição será real, mas não tanto eu e a cerveja que damos corpo à soma que nos reúne num par. Esse autor confia que até a consciência, que se embaraça nestas conceções, virá um dia a ser explicada na base de tais estruturas.
Entretanto, segundo a proposta do também físico Giacomo Mauro D’Ariano (pp. 48-51) – na esteira de Richard Feynman e de J.A. Wheeler – suponho que poderemos comparar a consciência a um projetor de hologramas, aos quais se assemelharão desde eu, a cerveja, os neurónios que constituem o cérebro que suporta a minha consciência… até ao menu de partículas que nos comporão. Pois essas projeções ocorrerão na base do plano ainda mais radical de outras partículas meramente virtuais, e muito menores, caraterizadas como simples pontos de verificação dos estados de informação binária (1 / 0).
Qualquer daqueles, por assim dizer, holograma, será então determinado segundo princípios informacionais, ainda por estabelecer, com que o imenso computador quântico que será o universo combinará – no nível III de Tegmark – as três posições informacionais quanticamente possíveis em cada pixel (termo usado por este professor em Pavia) cósmico – 1, 0, 1 e 0.
Do filme Matrix (1999), invocado por D’Ariano para ilustrar a virtualidade do que normalmente tomamos como “real”, até àquele recente livro do seu colega anterior, muitas serão as pistas de leitura que se abrem diretamente nos doze artigos e entrevistas, mais as recensões de algumas obras relevantes, neste Dossier especial da La Recherche. Mas provocação com provocação se paga. Pelo que apontarei antes outra pista mais radical do que uma ingénua assunção do platonismo matemático:
Afinal que fundamento têm por sua vez as estruturas ou princípios onde aqueles autores propõem fundamentar os objetos físicos? Desde há pouco mais de um século os matemáticos e filósofos têm-nos fundamentado por meio da teoria dos conjuntos, formulada por Georg Cantor. Cuja hipótese do contínuo – entre o infinitos descontínuo (N) e o contínuo (R) não haverá mediação – me parece implicada pelo juízo de D’Ariano de que teremos de escolher entre uma conceção descontínua (mediante os tais pixéis) dos campos quânticos e outra contínua (como no anteriormente referido modelo standard).
Ora ainda há menos de um ano Natalie Wolchover deu notícia da reabertura da discussão da validade dessa hipótese ou conjetura. Com uma das linhas de argumentação a não reconhecer essa necessidade de escolha definitiva entre aquelas duas conceções físicas; levando à fundamentação da determinação dos objetos e operações matemáticas… na consciência que os assume e usa. E não só a esperança de Tegmark de explicação futura desta última, mas todo o edifício concetual que nos propõe, mais a aposta descontínua de D’Amato, etc., se poderão virar de pernas para o ar!
Quanto aqui à cerveja, entretanto um pouco menos fresca e borbulhosa… bem, resta-me gozá-la enquanto as férias duram. Por menos que saiba o que dela, das ditas férias, e de mim, se deverá dizer propriamente “real”.
A constituição do cosmos desmultiplicar-se-á em quatro níveis. No primeiro encontra-se o nosso universo – uma esfera com tudo o que nos é observável – mais aquilo de que não teremos notícia porque, supondo a inflação da expansão logo após o (nosso) Big Bang, a luz que assinale tudo isso nunca nos chegará, constituindo assim outros universos com as mesmas leis da física, mas eventualmente com diferentes combinações das partículas elementares (pudessem os seus habitantes viajar mais depressa do que a luz, e ainda nos encontraríamos com seres estranhos como os que povoam os filmes de ficção científica!).
A teoria daquela inflação cósmica estabelece um mecanismo de produção de Big Bangs; como não é provável que esse mecanismo apenas atue uma vez, no nível II abrir-se-ão tantos multiversos quantos os Big Bangs que ocorram. Cada um destes porventura com leis físicas diferentes (noutro multiverso onde a matéria se possa deslocar até mais depressa do que a luz já aqueles encontros fantásticos poderão verificar-se).
Apenas estas permanecem independentes do que as ultrapassa. Pelo que Tegmark, assumindo-se como “platonista extremo”, considera que elas constituem a única realidade – ou seja, a estrutura composta pelos números naturais e pela operação de adição será real, mas não tanto eu e a cerveja que damos corpo à soma que nos reúne num par. Esse autor confia que até a consciência, que se embaraça nestas conceções, virá um dia a ser explicada na base de tais estruturas.
Entretanto, segundo a proposta do também físico Giacomo Mauro D’Ariano (pp. 48-51) – na esteira de Richard Feynman e de J.A. Wheeler – suponho que poderemos comparar a consciência a um projetor de hologramas, aos quais se assemelharão desde eu, a cerveja, os neurónios que constituem o cérebro que suporta a minha consciência… até ao menu de partículas que nos comporão. Pois essas projeções ocorrerão na base do plano ainda mais radical de outras partículas meramente virtuais, e muito menores, caraterizadas como simples pontos de verificação dos estados de informação binária (1 / 0).
Do filme Matrix (1999), invocado por D’Ariano para ilustrar a virtualidade do que normalmente tomamos como “real”, até àquele recente livro do seu colega anterior, muitas serão as pistas de leitura que se abrem diretamente nos doze artigos e entrevistas, mais as recensões de algumas obras relevantes, neste Dossier especial da La Recherche. Mas provocação com provocação se paga. Pelo que apontarei antes outra pista mais radical do que uma ingénua assunção do platonismo matemático:
Afinal que fundamento têm por sua vez as estruturas ou princípios onde aqueles autores propõem fundamentar os objetos físicos? Desde há pouco mais de um século os matemáticos e filósofos têm-nos fundamentado por meio da teoria dos conjuntos, formulada por Georg Cantor. Cuja hipótese do contínuo – entre o infinitos descontínuo (N) e o contínuo (R) não haverá mediação – me parece implicada pelo juízo de D’Ariano de que teremos de escolher entre uma conceção descontínua (mediante os tais pixéis) dos campos quânticos e outra contínua (como no anteriormente referido modelo standard).
Quanto aqui à cerveja, entretanto um pouco menos fresca e borbulhosa… bem, resta-me gozá-la enquanto as férias duram. Por menos que saiba o que dela, das ditas férias, e de mim, se deverá dizer propriamente “real”.
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Obs: A realidade é sempre uma construção sociológica, independentemente de gostarmos de cerveja ou preferirmos vinho tinto.
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Etiquetas: A realidade não existe, Miguel Albergaria
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