quarta-feira

O oprimido em Portugal



Mais do que a crise e a recessão os portugueses entraram em processo de desesperança. Um processo que tem cilindrado inúmeros sectores da actividade económica e esmagado as classes média e média-baixa. Este processo, resultante de um autentico esbulho fiscal, que tem vindo a ser constante e progressivo, gerou um novo sujeito histórico entre nós, portugueses: o Oprimido.

São já hoje milhões de portugueses que se encontram marginalizados, humilhados e excluídos do processo de inclusão social e económica que lhes permite um acesso normal e saudável à saúde, à educação e aos serviços sociais em geral - próprios de um Estado-social que se sedimentou em Portugal ao longo destes últimos 40 anos no quadro do contrato social (de confiança) estabelecido entre ambos os contraentes.

Desse modo, o português vê-se hoje oprimido fundamentalmente porque internalizou dentro de si o opressor que lhe tolhe a voz, a palavra, a acção autónoma e, em sentido lato, a própria liberdade. E mesmo que tenha voz e faça eco das suas palavras, as autoridades não ligam e acabam por se constituir no sujeito explorador económico, que impõe contratos leoninos de despedimento, com injustas indemnizações desprotegendo, assim, os cidadãos dos mais elementares direitos sociais que estão assegurados pela Constituição da República Portuguesa - e que acabam por ser letra morta no quadro dessas negociações que alguns têm o despudor de designar por "reforma do Estado". 

Este processo de fabricação do oprimido assemelha-se historicamente aquele por que passaram os negros, os índios, os mestiços, as próprias mulheres (que só recentemente vieram a adquirir direitos que passaram a estar consignados nos códigos), enfim, um processo social e político desenvolvido pelas elites que integram o XIX Governo (in)Constitucional que assenta justamente no vector da discriminação como forma de impor e gerir processos de reorganização e extinção de lugares no Estado.

Uma das grandes questões que aqui se coloca passa por saber como combater esta discriminação, erigida em política pública geral, assente na doutrina neoliberal de capitalismo selvagem que se tem vindo a afirmar em Portugal, e cujo ritmo tem sido imposta à sociedade e à economia portuguesas pelos ditames da Troika e das suas avaliações.

Não sendo de fácil resposta, creio que só um novo paradigma de pedagogia política conseguirá operar a revolução nas consciências e nos métodos de fazer política em Portugal. Provavelmente, isto passará por olhar com atenção o que se passou no Porto, em que um independente, Rui Moreira, conseguiu conquistar o apoio das gentes do Norte e fazer eleger com um programa de renovação para a cidade que procurará resolver inúmeros e complexos problemas sociais e de autonomia política. 

Todavia, vejo com alguma dificuldade que na capital, e noutras cidades do país, de norte a sul, do interior ao litoral, o exemplo do Porto se repita, ainda que seja necessário fazer uma pedagogia da esperança, na linha do que defendeu o pedagogo brasileiro de vocação universal, Paulo Freire. Uma pedagogia que liberte o  oprimido como sujeito, das amarras a que tem estado submetido há anos, o que implicará a denúncia duma classe política tão impreparada quanto corrupta, cozinhada no centrão de interesses que tem fabricado a crónica inimputabilidade entre nós e que faz, entre outras coisas, a paralisação da justiça que é, consabidamente, responsável por boa parte do subdesenvolvimento em que o país se encontra. 

Talvez tudo isto se faça com novos sujeitos históricos, mais desligados dos partidos, como Rui Moreira, e com uma visão e uma capacidade humana que desfatalize a situação perversa em que financeiramente nos encontramos, pois só assim conseguiremos criar um sentido de futuro eticamente mais justo, politicamente mais democrático, esteticamente mais irradiante e espiritualmente mais humanizador. 


Etiquetas: