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O burguês da Foz que tomou de assalto a Câmara do Porto




Nota prévia: este é um artigo biográfico de Rui Moreira que sabia que ia ganhar a CMP. E sabia porque estava ciente do seu valor e da sua posição (pessoal) relativamente à mediocridade dos seus adversários, mormente aquele que foi imposto pela direcção nacional do PSD, que também padecia das cisões abertas em Gaia - pela 2ª imposição que Menezes impôs aos munícipes escolhendo para sucessor um candidato sem nenhuma implantação local. Todavia, o mais importante não é reconhecer o grande cv de Rui Moreira, mas saber como, doravante, ele (e a sua equipa) irão coordenar esforços para resolver os múltiplos e complexos problemas da cidade e de boa parte das gentes do Norte. Segue, para o efeito, um fragmento da grande "reportagem" feita ao novo senhor do Porto, ou ao futuro "rei do Norte" - cuja agenda poderá até passar pela regionalização...



Se há seis meses inquirissem Rui Moreira sobre o momento mais importante da sua vida, ele poderia ter citado o dia em que, aos 35 anos, vendeu as suas empresas, ficou ainda mais rico e passou a ter uma vida mais relaxada. Poderia ter lembrado a prisão do pai nos dias de brasa de 1975, ou talvez o nascimento do primeiro filho, ou o dia em que se licenciou com distinção na Universidade de Greenwich, em Londres. Talvez tivesse até escolhido uma daquelas memórias anódinas na aparência mas determinantes na vida das pessoas, como a lembrança de um trenó igual à que faz a magia do filme da sua vida, Citizen Kane, de Orson Welles. Depois de domingo, 29 de Setembro, porém, Rui Moreira reconhece "não saber ao certo" o que escolher como momento da sua vida. Nesse dia entrou directamente na história do Porto e do país. Nesse dia, o que parecia improvável há apenas meia dúzia de meses tinha acontecido: Moreira, um independente apoiado pelo CDS e por uma facção do PSD, conquistara a câmara da segunda cidade do país. Tornara-se a figura mais surpreendente e exaltada das eleições autárquicas.
Quem é Rui Moreira? Como pôde um independente ser capaz de bater candidaturas organizadas e opulentas, oleadas por aparelhos partidários experimentados e movidas por recursos financeiros e humanos incomparáveis? Empresário, líder da circunspecta Associação Comercial do Porto (ACP), comentador de futebol, dandy, membro de uma elite, estudioso e bem-falante, ora afável com os mais próximos ora implacável com os seus detractores ou adversários, Rui Moreira recebeu nas eleições autárquicas o prémio que foi lenta e laboriosamente construindo nos últimos 13 anos. Uma a uma, foi encaixando as peças, à espera de uma oportunidade. Um artigo aqui, uma prelecção além, um estudo acolá. Quando a oportunidade chegou, serviu-se da notoriedade adquirida, espatifou a ordem política dos partidos, confirmou que o Porto é um lugar estranho para a política convencional e tornou-se uma figura comentada em todos os cantos do país.
O que tinha acontecido? Nas horas que se seguiram, analistas meio aturdidos ou dirigentes partidários no activo, cidadãos do Porto ou de Faro procuravam pistas para a surpresa. Avaliavam o apoio de Rui Rio, tentavam explicações no descrédito dos partidos, na campanha de "porco no espeto" de Menezes, na falta de jeito de Manuel Pizarro, o candidato pelo PS, ou na punição do eleitorado ao PSD. Cedo se percebeu que estas justificações não bastavam para explicar a excepção da eleição no Porto. Alguns apontaram para a natureza específica da cidade, para a sua identidade, para o seu bairrismo de feição rural, para a sua ousadia, para a sua história. Pacheco Pereira falou doethos do Porto, onde, como precisa Artur Santos Silva, "é fácil encontrarmo-nos, falarmos uns com os outros, desenvolvermos relações de amizade e de cumplicidade", onde "um certo espírito liberal e burguês está ainda muito vivo", na avaliação do historiador Hélder Pacheco. Mas se havia, de forma real ou mitificada, uma identidade portuense capaz de trazer uma novidade radical à política portuguesa, faltaria sempre alguém capaz de a interpretar.
É aqui que surge Rui Moreira, "esse filho da alta burguesia da Foz, com a imagem cuidada de homem empreendedor, de espírito aberto e cosmopolita", um candidato capaz de "preencher todos os requisitos para encarnar o mito do Porto burguês, liberal, independente e aberto ao mundo", escreveria dias depois no PÚBLICO o socialista Francisco Assis. "Raramente um homem se adequou tão perfeitamente a uma representação mental de uma cidade", acrescentaria Assis, deixando subentendidas as heranças que remontam à primeira metade do século XIX, quando o Porto liderou o combate pelo fim do Antigo Regime e pela instauração do constitucionalismo liberal.
"Rui Moreira é um liberal no sentido da defesa dos direitos civis. Não o vejo como um homem de direita. Ele enquadra-se aí, num certo pensamento republicano, numa certa tradição liberal de esquerda, setembrista e patuleia", diz Hélder Pacheco. Há alguns anos, quando um grupo de jovens propôs à comissão de toponímia da cidade, que ambos integravam, a atribuição do nome de uma rua a Gisberta, a transexual assassinada por um grupo de menores em Fevereiro de 2006, apenas Rui Moreira e Hélder Pacheco concordaram. "Para mim e para o Rui Moreira, essa proposta era uma denúncia da intolerância que a cidade não podia aceitar. Ficámos sozinhos na votação", recorda Pacheco.
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