terça-feira

Os eleitores e a democracia




As notas que se seguem têm como objectivo explicitar para que é que os eleitores entendem que serve a democracia? 

É uma questão básica que em tempos mereceu a preocupação de estudiosos que entrou na esfera da ciência política e procurou dar resposta a essa interrogação. Entre os economistas preocupados com o tema pretendia-se aplicar à política o mesmo tipo de lógica utilizado para estudar o funcionamento dos mercados. Sendo que o ponto de partida implícito para a maioria dos economistas que estudam os mercados, é, naturalmente, a prossecução do interesse egoísta. A esta luz é sabido que os mercados funcionam colocando sempre a busca do interesse pessoal acima dos interesses colectivos, ainda que no final do processo, segundo a mão-invisível de A.Smith, esse desiderato possa ser (parcialmente) atingido. 

Consequentemente, era lógico que aqueles investigadores da área da ciência política partissem do pressuposto de que - os políticos, os legisladores, os eleitores - são movidos também pelo interesse pessoal, pelos egoísmos de cada um. 

Quer dizer, os eleitores pretendem escolher os candidatos que zelem pelos seus interesses concretos, pouco se importando pelo interesse geral do país, salvo se esse bem-estar afectar o interesse pessoal individual do eleitor; os agentes políticos, por sua vez, pretendem, acima de tudo, ser reeleitos, e votam naquilo que consideram melhor para a sua carreira pessoal e política, o que implica que frequentemente tenham de tomar medidas que favoreçam certos grupos de interesses, corporações ou lobbies, doutro modo não se farão reeleger. 

Por seu turno, os legisladores, ou seja, a classe dos deputados da Nação que faz as leis, e em Portugal faz mal e em grande quantidade, tamanha é a macrocefalia legislativa, querem manter os seus postos e controlar boa parte dos recursos, razão por tendem a inflacionar a importância da sua função para justificar a sua existência e sentido de missão. A qual, consabidamente, é, frequentemente, ler os jornais, viajar na net, consultar o facebook e dormir. E servir o partido que, por sua vez, serve os directórios partidários, está claro!!

O que se constata, simultaneamente nos mercados e na politica, é que nem sempre o comportamento egoísta de cada actor se traduz num bem colectivo, como classicamente foi defendido pela teoria económica. Em seu lugar, pelo menos em Portugal, temos um governo que tem sido uma ferramenta ao serviço do interesse pessoal de cada ministro (a criação do cargo de Vice-PM, na sequência da demissão do ministro das Finanças e do MNE - é disso ilustração prática cabal) - facto que também não se traduz na procura do bem colectivo, mas sim na satisfação do interesse e de vaidades pessoais que se servem do aparelho de Estado para mistificar (ainda amais) o interesse colectivo. 

Para o cidadão médio (o eleitor comum), a sua escala de valores e nível de actuação também não foge muito aquele padrão do agente económico (que visa o lucro) e do agente político (que pretende a reeleição). Ou seja, o cidadão, o eleitor comum espera que a política e os mercados lhe possam dar aquilo que os políticos esperam extrair dos eleitores. 

No fundo, tudo se resume ao facto de não tratarmos os nossos familiares e os nossos amigos com a mesma bitola com que tratamos os nossos clientes. Ninguém tem uma visão desinteressada do fenómeno político, na medida em que todos os actores do processo politico-democrático têm interesses concretos a satisfazer, muitos dos quais são interesses contraditórios. 

No final do processo, quase apetece afirmar que, no quadro deste realismo posicional, a democracia acaba por ser um jogo de sorte e azar cujos objectivos e missão são uma utopia que está cada vez mais longe de se realizar. 

Se assim for, a democracia é um erro do processo, um efeito perverso decorrente dos múltiplos interesses individuais que se cruzam e culminam nessa torrente que é a política. 


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