Liberdade de imprensa sobreviverá à maior fuga de informação da história
Reacção dos EUA à divulgação dos telegramas diplomáticos marcará a relação dos Estados com os media
O caso deve levar a um reforço da segurança de empresas e governos (Shannon Stapleton/REUTERS) Público
Não faltaram os comentadores a preconizar um futuro próximo em que os governos se fechariam cada vez mais, tentando controlar a sua informação atrás de sete chaves, com a síndroma pós-casa roubada.
"O "culpado" é a Internet, e a forma como facilita o poder assimétrico e a transparência e remove a responsabilidade individual por essa transparência e assimetria", escreveu Joe Klein no site da revista "Time". "A única maneira de o ter evitado seria (...) que a Administração voltasse aos dias do pombo-correio", disse, talvez não totalmente a brincar.
O preconizado encerramento da Administração americana em si própria, como um ouriço-cacheiro, começou logo que foram publicadas as primeiras comunicações em que se revelava a forma como Washington conduz a sua política externa. As duas grandes bases de dados que tinham sido conectadas depois do 11 de Setembro - a do Departamento de Defesa, chamada SIPRNet, e a do Departamento de Estado, a Net Centric Diplomacy Database - foram separadas.
O regresso a um mundo cheio de cercas, em vez de cada vez mais ligado entre si, será uma das consequências da maior fuga de informação da história?
Uma antiga tensão
"É irrealista imaginar que um Estado se desconecte da tecnologia", diz, ao telefone a partir de Washington, Catherine Lotrionte, directora adjunta do Instituto de Direito, Ciência e Segurança Global da Universidade de Georgetown e directora do Projecto de Cibersegurança, numa parceria com o Laboratório Nacional Lawrence Livermore.
"Isto não é uma história nova, é uma história clássica, da tensão entre a necessidade de o Estado manter o silêncio sobre assuntos sensíveis e o desejo do público de ter mais informação. É um exercício de equilíbrio, que tem de ser feito dentro das leis de um país", considera. "O que é novo neste caso é o volume de dados revelados sem autorização", nota Lotrionte, que está a escrever um livro sobre as leis de segurança nacional nos EUA após o fim da Guerra Fria.
"Isto só foi possível graças à tecnologia, mas também porque houve uma decisão antes, relativa à forma como o Governo utiliza a tecnologia."
"A comissão de investigação do 11 de Setembro recomendou que houvesse mais partilha de informação [entre agências e organismos governamentais], tanto horizontalmente, como verticalmente", explica Lotrionte. Por isso, o Departamento de Estado e o da Defesa passaram a estar ligados, e a sua informação acessível a muitas pessoas - até soldados no Iraque e no Afeganistão poderiam conhecer apreciações, julga-se que pertinentes para a sua situação, feitas por diplomatas em qualquer parte do globo.
"Quanto mais informação se coloca num sistema, e mais pessoas têm acesso a ele, mais interessante se pode tornar. Mas isto traz riscos - é um dilema clássico", sublinha Catherine Lotrionte. "Com o aumento dos acessos, mesmo que também aumente a segurança, é garantido que haverá fugas. Pode ser uma fuga interna, alguém que viola a segurança; pode ser uma brecha que vem do exterior, possibilitada pela tecnologia; ou espionagem clássica", enumera.
"Neste caso, foi um informador interno", diz, referindo-se às suspeitas que recaem sobre o soldado Bradley Manning de que tenha gravado estes dados num CD, quando estava colocado no Iraque.
Reforço de segurança
Mas então o futuro vai trazer-nos mais restrições no acesso à informação, tanto pelo cidadão comum como pelos jornalistas - que actuam como mediadores entre os cidadãos e o poder, na obtenção de informação do interesse público. Será assim?
"É evidente que toda a informação que se publica e que algum poder não quer que se publique gera uma reacção", responde Vicente Jiménez Navas, director adjunto do "El País", um dos cinco jornais que tiveram acesso aos telegramas da WikiLeaks, para lhes darem tratamento jornalístico.
Obs: Nem os jornalistas escapam a esta avalanche de violação de informação discreta e secreta, até porque um dos argumentos basilares do fundador do Wikileaks é que cabe à sua organização fazer aquilo que os jornalistas há muito deixaram de assegurar, só faltou designar os jornalistas e a mediacracia de cretinos por já não saberem desempenhar devidamente as suas funções na recolha, tratamento e divulgação de informação. Talvez nunca antes na história uma só pessoa revelou tanto poder como Assange, e nem mesmo Bin Laden conseguiu produzir tantos estragos morais e civilizacionais em tão pouco tempo como o fundador da Wikileaks. Em rigor, isto não aproveita a ninguém. Políticos, governos, jornalistas, mundo empresarial...Todos, no seu conjunto, saem diminuídos e desprestigiados pelas revelações da W. e, sobretudo, pela sensação de insegurança e de violabilidade nos sistemas de comunicações entre os aparelhos diplomáticos dos países envolvidos. Assange representa hoje a versão suave de bin laden que ataca interesses ocidentais, e parece ter apenas um objectivo estratégico: abrir o flanco e preparar a entrada das redes terroristas no ventre mole da nossa civilização. Por cada dia que Assange está no activo é mais insegurança que se replica no sistema da globalidade, e isso deve evitar-se a todo o custo. Também por esta razão fico banzado quando vejo pequenos jornalistas com dupla personalidade, altamente instáveis, ou melhor, com dupla identidade promovendo links de determinados media em caixas de comentários alheias, ignorando as consequências das acções de Assange, ou fingindo que se desconhecem esses efeitos apenas por uma raiva conjuntural por quem ocupa o poder nos vários países. Se assim é, começo a pensar que Assange tem, paradoxalmente, uma ponta de razão quando diz o que pensa dos jornalistas, ou de alguns deles. Seja como for, o idiota Assange não tem o direito de fazer perigar a vida de pessoas, bens e interesses ocidentais em nome do seu patológico ego.
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