Breves notas em homenagem a Ernâni Lopes
Talvez nenhum outro economista do pós-II GM tenha cruzado tantas variáveis em busca do crescimento, modernização e desenvolvimento socioeconómico como fez o prof. Ernâni Lopes. E para interpretar esse processo gerador de descontinuidades entre o passado e o futuro, analisou o processo geral de maturação dos sistemas complexos, em que se inserem as sociedades modernas, que não se limitam a repetir as relações tradicionais estabilizadas mas que, pelo contrário, têm dinamismos internos de inovação e de transformação que acabam por definir rupturas com o passado traduzindo, assim, trajectórias evolutivas na economia portuguesa. Ora bem, Ernâni Lopes - enquanto economista e consultor - buscava este graal epistemológico, científico, metodológico e até, no limite, sociopolitológico. Sózinho ou assessorado pela equipa de consultores que coordenava com punho firme, rápidamente concluiu que as trajectórias evolutivas da economia portuguesa não são lineares e cumulativas, formando uma linha de progressão permanente, mas comportam pontos críticos de curvatura, ou seja, pólos de maturação que alteram a configuração económica da nossa economia e que, entre outras coisas, ajudam a explicar a razão pela qual estamos a empobrecer e a separar-nos dos principais indicadores desenvolvimentistas dos países membros da UE que integramos.
Ernâni Lopes sabia isto, e sabendo-o também estava descrente em relação ao escol dirigente em funções - que achava pouco sério (intelectual e politicamente) porque, lá está(!!), o gap que os afastava da verdade que era suposto comunicarem ao povo, era grande. E foi através dessa distância - entre as promessas políticas e as respectivas realizações - que se media o grau de frustração que hoje a sociedade portuguesa, na sua esmagadora maioria, sente na carne, na pele e no osso. Sendo das sociedades mais tributadas da Europa.
E como Ernâni Lopes nunca teve "papas na língua", quem o conhecia sabe que era assim, nunca receou afirmar o que pensava - em privado e em público, apesar de ser um homem com interesses demarcados junto do meio empresarial e, no plano político, nunca deixou que a ideologia ou a cacicagem partidária tolhesse as suas opções. Razão por que, consoante as conjunturas, apoiou Soares a Belém, e, anos depois, não se coibiu de apoiar Cavaco ao Palácio Rosa. Portanto, Ernâni, era um homem do bloco-central, e agia políticamente enquanto tal.
Ernâni sabia que, em termos gerais, a curvatura da economia portuguesa e da sua maturação, não estava a apresentar, como seria suposto, o subsequente ciclo de expansão, de vitalidade e de crescimento, gerador de riqueza, bem-estar, modernidade e de franco progresso para a sociedade portuguesa, que há muito estagnára.
Esse bloqueio levava-o a fazer críticas que nem sempre eram ouvidas, mas outras observações, como a necessidade de investir no cluster do Mar, foi retomado este ano por Cavaco como se fosse uma ideia ou uma estratégia de Belém, e não era.
Estas conclusões levaram Ernâni Lopes a concluir pelo declínio que estamos vivendo, resultante do abrandamento do ritmo de crescimento, e até mesmo de regressão por ausência de factores de renovação da vitalidade económica nacional. Pois o número de empresas a falir ultrapassa largamente a taxa de empresas a nascer, e esta taxa regressiva é nociva para a economia portuguesa.
Em síntese, todo o raciocínio e paradigma económico de Ernâni Lopes assentava num esquema económico relativamente simples de apreender, pois de um lado temos a capacidade de risco, a capacidade competitiva, a capacidade de dominação, capitalização e de inovação da economia nacional; do lado do passivo, o economista concluiu que os recursos que o Estado gastava com a segurança e protecção social, a correcção dos equilíbrios que era necessário fazer para manter certos esquemas sociais actuantes, acabavam por exaurir os recursos do Estado que só se aguentava com mais e mais impostos suportados pelos desgraçados dos contribuintes.
Ernâni Lopes sabia que estávamos no mau caminho, i.é, ao verificar que ainda não conseguimos encontrar o padrão de crescimento da fase económica ascendente, a sociedade portuguesa aparece caracterizada por uma baixa capacidade de risco, baixa competitividade, e uma terrível propensão para o descontrolo das finanças públicas, que já é um cancro desde o tempo do Eça de Queiróz (e de lá para cá, pouco ou nada mudou para limitar esse "monstro" do défice, agravado nos anos do cavaquismo 1985/95 e nos governos seguintes), com a agravante de as sociedades europeias passarem a viver em regime de globalização competitiva - que colocava em contacto, como se duma vitrine gigante se tratasse, a economia portuguesa com as poderosas economias asiáticas e do centro e leste europeu que, entretanto, assumiram uma maioridade no sistema económico global, de que a China e a Índia são, hoje, metafóricamente, a "fábrica e o escritório" do mundo, e fazem-no saber nas reuniões da OMC e noutros fora internacionais. Assim, era-nos impossível competir e ganhar quotas de mercado na economia global.
Ernâni Lopes sabia tudo isto. Até sabia que iria morrer em breve, e resistiu ao linfoma como um herói dos tempos modernos, revelando sempre uma vivacidade intelectual excepcional, deixando-nos um imenso legado de conhecimentos, de propósitos e de perplexidades que hoje, bem ou mal, teremos de saber resolver, sob pena de continuarmos a empobrecer. Em sua memória, e também porque lhe devo algo, deixo aqui estas minhas "miseráveis" notas escritas no limbo em que a vida tantas vezes nos coloca, sem gostarmos de lá estar.
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