Sócrates faz leilão ao Governo mas ninguém comparece
Sócrates assegurou que as declarações do ministro Luís Amado sobre a necessidade de um governo de coligação para Portugal não o surpreenderam. É natural, foram concertadas, ainda que o objectivo perante a opinião pública é que tenham sido proferidas de modo diverso, pelo simples e livre arbítrio de Luís Amado. Isso seria impossível suceder num governo de liderança forte, como é, ou foi, o actual Executivo. Quando o PM diz que esse é um sentimento de todo o executivo socialista, é uma ideia completamente errónea, mas a política é também a arte da representação e não um exercício de busca da verdade. Isso é para filósofos marados, não para um governo em queda livre, como se estivesse à beira da Rocha Tarpéia. Mas a faceta mais decadente desta proposta, ou melhor, deste leilão em que Sócrates submete o governo e em que ninguém comparece, em grande medida pelo litost em que colocou a oposição seguido do estado tormentoso em que hoje se encontra, e decorre do reconhecimento súbito da sua própria miséria e condição política, reflecte também a miséria de um país inteiro que repentinamente descobriu que não se sabe governar, é malquisto pelos seus parceiros da União Europeia, explorado pelos mercados que agiotam a nossa economia à velocidade da luz e goza duma oposição que só será feliz quando vir claramente visto uma coisa: Sócrates sair do governo de forma humilhante, que é a forma da oposição fazer também o seu litost. Neste quadro, é verossímil termos eleições antes do próximo Verão, já com Cavaco em Belém por mais um quinquénio. Pois essa será a única forma de o povo português resgatar todas as fraquezas pelo olhar mágico dum novo programa político, de novas promessas, de novas esperanças. Mas esse é o ciclo da própria vida, animado pela ideologia e pela ilusão que nos faz sempre ver um céu azul, mesmo quando os próximos 3, 4 anos serão marcados por céus de chumbo, que pesam no padrão de vida de todos nós, espelhando um empobrecimento progressivo da sociedade portuguesa relativamente às sociedades dignas de comparabilidade (desenvolvimentista). Ver Sócrates leiloar o governo daquela forma, neste timing foi, mal comparado, como ver aquele tipo acidentado, com duas pernas partidas, os olhos negros e a verter sangue pelos ouvidos tentando socorrer quem passava na via pública. À medida que ele se aproxima para oferecer os seus préstimos, mais as pessoas de afastavam. Infelizmente, esta é a realidade política em Portugal, não vale a pena denegar a brutal evidência dos factos e varrer para baixo do tapete esta evidência. Confesso que nunca esperava ver Sócrates morrer políticamente desta forma, o que revela a ideia que até para cair é preciso ter arte. E não creio que seja Luís Amado o artista ideal para servir de enfermeiro a Sócrates neste Portugal-comatoso.
O único player que o poderia ajudar seria Durão Barroso, mas este hoje não é mais do que a expressão europeia do que representa o PM perante a opinião da oposição em Portugal. É triste assistir a este funeral político, especialmente quando ele terá uma cerimónia fúnebre de mais alguns meses, o que obrigará o cortejo a manter-se em movimento.
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