sexta-feira

Proposta perigosa - António Vitorino -

Enquanto seguíamos a novela interna do Orçamento para 2011, o Conselho Europeu da passada semana tomou decisões que vão condicionar o nosso futuro colectivo de modo muito relevante. dn
Desde logo, os chefes de Estado e de Governo endossaram o essencial das propostas da Comissão Europeia tendo em vista reforçar as sanções aplicáveis aos países que desrespeitarem as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E digo o essencial na medida em que foram introduzidas algumas limitações ao automatismo de aplicação das sanções proposto pela Comissão, já que se exige uma maioria qualificada para dar seguimento a tais sanções.
Esta inovação é relevante a dois títulos. Por um lado, porque a dívida pública passa a ser considerada em pé de igualdade com o défice orçamental, ao contrário do que sucedia até aqui. E, em segundo lugar, porque o reforço das sanções (depósito com juros e perda dos juros em caso de desrespeito continuado das indicações de correcção dos desvios às regras) visa um efeito dissuasor que até ao momento não estava presente.
De igual modo, o Conselho Europeu aprovou as linhas de orientação propostas pelo presidente Van Rompuy sobre a governança económica europeia e, muito em particular, da Zona Euro. A crise financeira global e, em especial, a crise da dívida soberana de alguns Estados da Zona Euro demonstram a necessidade absoluta de encontrar, no plano supranacional, mecanismos e procedimentos de coordenação das políticas económicas nacionais que garantam a sustentabilidade da moeda única europeia.
Neste particular, a batalha travou-se em torno da inclusão, nessas linhas de orientação, do tema dos desequilíbrios internos à Zona Euro decorrentes, no essencial, dos diferentes níveis de desenvolvimento económico dos Estados membros e das distintas políticas económicas nacionais que adoptam em cada momento.
Antevia-se a oposição da Alemanha a este ponto, na medida em que o Governo da senhora Merkel receava que nele se contivesse implicitamente uma crítica dos parceiros à política pouco estimulante da procura interna na principal economia europeia. Sem embargo, o tema acabou por constar do Relatório Van Rompuy, desta forma ficando aberta a porta para que possam ser equacionadas, a nível europeu, as diferenças de competitividade das economias da Zona Euro.
Claro que o alcance desta porta assim entreaberta depende agora quer da vontade política (e da imaginação) dos países que se defrontam com sérios problemas de competitividade no espaço europeu e global (caso de Portugal) quer da capacidade da Comissão em articular as medidas necessárias da Agenda 2020 que visam a criação de emprego e a melhoria da competitividade da economia europeia.
Finalmente, o Conselho Europeu iniciou o processo de uma revisão cirúrgica do Tratado de Lisboa, tendo em vista consolidar, numa base legal própria e com características de permanência, o Fundo de Estabilização Financeira criado em Maio passado, pelo período de três anos, na sequência da crise da dívida soberana grega, sem, contudo, pôr em causa a denominada cláusula no bail-out tão querida aos alemães. Por enquanto ainda não se conhecem os termos em que este mecanismo operará uma vez integrado nos Tratados, mas, tal como avisou o Presidente do Banco Central Europeu, a decisão em causa e a previsão de que o Fundo operará num quadro de regulação das condições de reestruturação da dívida externa dos países com dificuldades teve já um efeito punitivo para os Estados da Zona Euro que se encontram particularmente dependentes dos mercados financeiros para o seu refinanciamento (nova subida dos spreads da Irlanda e de Portugal esta semana).
Para já ficou de fora deste relevante pacote de decisões a proposta mais ousada (e até provocatória) da dupla franco-alemã: a de privar do direito de voto no Conselho de Ministros os Estados que desrespeitem os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento... Mesmo na versão "mais suave" acordada entre Merkel e Sarkozy no encontro de Deauville, de que tal privação do direito de voto "só" se aplicaria às decisões no âmbito da Zona Euro.
Só que os seus proponentes já prometeram voltar à carga com o tema no próximo Conselho Europeu de Dezembro. E mesmo que a reincidência tenha apenas como objectivo reforçar o grau de ambição e de exigências na definição das sanções e das regras do Fundo de Estabilização Financeira, convém estar muito atentos ao percurso desta proposta insensata e perigosa pelo que constituiria de grave precedente!

Obs: Lendo a reflexão de António Vitorino recordo um facto comezinho, mas que é contrastante com a actualidade da política europeia: ao tempo do cavaquismo eram os famosos Fundos Comunitários que afluíam a rodos a Portugal, com eles o país construiu escolas, estradas e hospitais e, de caminho, permitiu a emergência duma classe média que passou a ir fazer compras de carrinho às grandes superfícies do tio Belmiro. Foi o conceito da "Europa-amiga" que nos modernizou e desenvolveu; hoje, ao invés, o legado que nos chega da Europa é altamente sancionatório, punitivo e administrativo. Será, porventura, porque não sabemos organizar a nossa economia e deixamos derrapar as contas públicas, além de não sermos competitivos nos mercados internacionais!?

Parece que a Europa exige hoje mais aos pequenos países, punindo-os com sanções do que os ajuda a sair do colete-de-forças em que está.

Parece-me que este conceito de Europa deve-nos fazer reflectir se Portugal, no quadro das suas opções estratégicas e de desenho da sua política de afirmação externa, não deverá passar a considerar mais África - e os seus mercados - do que ficar enredado nas sanções que a tábua dura da Europa nos joga à cara diáriamente.

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