quarta-feira

Inovação política made in Bruxelas: feitura dos OGEs na Europa

Soube-se que, doravante, os Orçamentos dos Estados da UE passam a ser confeccionados em Bruxelas e os respectivos ministros das Finanças dos Estados membros convergem na possibilidade de vetaram os desvios que aí se coloquem, o que irá conferir a todo esse vital processo de feitura orçamental uma minúcia financeira maior do que a vigente, ainda que, naturalmente, os mesmos tenham de ser submetidos aos parlamentos nacionais, fonte de legitimidade.
A vantagem desta nova metodologia política consiste em vigiar mais de perto as políticas económicas - e as políticas públicas em geral - durante o semestre, detectando logo à nascença desvios orçamentais que terão de ser corrigidos em nome do bem comum e do interesse geral. Assim, essa vigilância terá início em Março de cada ano, na Primavera, tempo dos Relatórios económicos que medem os índices de desenvolvimento socioeconómicos dos Estados da UE, e depois a Comissão e o Conselho Europeu identificarão os desafios para a economia europeia e proporá estratégias a seguir por parte dos Estados membros, que cada um depois seguirá como melhor entender dentro da filosofia da directiva.
A ser assim, este novo processo de tomada de decisão política implicará duas grandes consequências em termos de governação: 1) aos governos em funções será pedida uma maior exigência, rigor e transparência na apresentação das medidas gerais e específicas que consubstanciam os orçamentos; 2) às oposições, por seu lado, terão que demonstrar que são verdadeiras alternativas de poder, tendo, para o efeito, que dispor de um programa de governo alternativo que possa competir com o governo na apresentação dessas medidas gerais e específicas que tecem o OGE em cada ano. Mais rigor e responsabilidade para ambos, portanto.
No Verão a Comissão voltará a pronunciar-se sobre esses mesmos OGE mediante um parecer de forma a ajudar os governos a corrigir os desvios. Naturalmente, esta metodologia subtrai algum espaço de manobra aos governos, que deixam de ter margem de manobra para as suas contabilidades criativas orçamentais (e de desorçamentação), mas também aperta as oposições nas suas manifestações públicas, pois tudo passará, doravante, a ser mais escrutinado perante os órgãos comunitários e, por extensão, perante a opinião pública europeia e internacional.
Se for levada a sério esta nova metodologia de confeccionar os OGE através duma forte participação europeia, conduzirá à recuperação da cultura política europeia do tempo de Delors. Não para regressar ao seu passado imperial como centro de dominação mundial, o que seria impossível, mas a um conceito de Europa com peso e estatuto internacionais, que tem vindo a perder na última década, que possa combinar o envelhecimento demográfico existente com o reconhecimento do risco e das motivações competitivas que visam modernizar todo o tecido socioeconómico europeu sem, contudo, questionar a coesão intergeracional.
Naturalmente, mudanças deste calibre terão consequências ainda pouco conhecidas nos sistemas políticos, mas a evolução dos poderes públicos e das funções do Estado, com reposicionamento público por parte dos partidos, terão efeitos na forma, no timing e eclosão das crises, no estilo das lideranças, no modo de governação, na formação dos partidos interagirem com a sociedade e, regra geral, na refomulação das concepções estratégicas que governam uma cidade e um país e o tecido conjuntivo do próprio sistema internacional.

Numa palavra: orçamentos mais e melhor escrutinados obriga os actores políticos a fazer corresponder aquilo que é prometido com aquilo que será objecto de realização, e qualquer desvio dessa obrigação será notado pela vitrine da opinião pública europeia que castiga (ou valoriza) em tempo real essas acções políticas na polis global em que vivemos.

Bem sei que todo este processo de decisão política emergente frustra as expectativas de Pedro Passos Coelho e do psd (em particular), que assim fica privado do seu instrumento de pequena chantagem política sobre o governo em matéria de aprovação de orçamentos (que se avizinha).

É por isso que esta mudança política na forma de confeccionar os OE também significa uma revolução verde para as oposições que, doravante, terão de começar a trabalhar para criar verdadeiros programas de alternância política aos governos em funções por essa Europa fora.

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