sexta-feira

O gato, o rato e o lobo - por António Vitorino -

Nas últimas semanas, os governos da União Europeia e os mercados têm andado a jogar ao gato e ao rato. Não se pode dizer que seja a primeira vez que tal sucede. E, como estão a coisas, o jogo promete continuar.dn
O que mais surpreende é que a posição do gato e do rato vai alternando, sendo por vezes difícil perceber quem está em que papel na vertiginosa sucessão de acontecimentos e de mudança de pele...
Num dia, os ministros das Finanças europeus adoptam um pacote sem precedentes na forma e na dimensão para apoiar a Grécia e os demais países da Zona Euro que enfrentam dificuldades no financiamento das respectivas dívidas. Mas, logo a seguir, o ministro alemão faz declarações em que põe em dúvida a capacidade do Governo grego para aplicar o pacote de austeridade pressuposto daquela ajuda financeira extraordinária!
Quando, logo a seguir, o presidente do Deutschbank vem publicamente duvidar de o tal pacote de financeiro europeu ser suficiente, o mesmo ministro alemão vem dizer… que essas declarações não ajudam a resolver o problema da credibilidade do Euro! A velocidade com que o gato e o rato mudam de posições é estonteante.
Mas a desorientação não atinge apenas as instâncias de decisão política.
O presidente do Banco Central alemão vem a público criticar a decisão do Banco Central Europeu de passar a comprar directamente dívida emitida por Estados da Zona Euro, decisão essa tomada pelo BCE de que cuja Administração ele próprio faz parte!
Seria estranho que, perante tantos casos, os mercados não continuassem a dar sinais de grande volatilidade…
Como se isso não bastasse, logo de seguida o Governo alemão vem anunciar que vai adoptar unilateralmente uma proibição do chamado short selling (vendas a descoberto no curto prazo), como parte de uma estratégia de combate aos especuladores. Perante a surpresa dos demais países europeus que não foram sequer avisados, os mercados agitam-se de novo, punindo (mais uma vez!) os spreads cobrados… aos países do Sul da Europa!
A imagem de marca que assim resulta é a de uma total descoordenação da resposta à crise quer na Zona Euro quer na União Europeia no seu conjunto. A ponto de a chegada a Bruxelas do novo ministro das Finanças conservador britânico quase passar despercebida: no meio de tanta confusão, ninguém lhe deixa sequer espaço para ser "o mau da fita"!
Neste ponto, a Comissão esbraceja, tentando criar espaço para as suas (ainda tímidas) propostas de coordenação das políticas económicas, designadamente a de estabelecer um processo de consulta prévia entre os Estados membros sobre os respectivos projectos de orçamentos anuais.
A reacção a esta proposta causa também várias perplexidades. Surgem logo vozes vendo em tal coordenação uma restrição à soberania dos parlamentos nacionais. Mas tal inquietação parece ignorar a verdadeira restrição da soberania nacional operada pela pressão dos mercados financeiros a que nenhum país isoladamente está em condições de resistir…
Mesmo entre os que se mostram favoráveis a tal coordenação prévia das grandes linhas orientadoras dos orçamentos nacionais há quem coloque reservas a conferir à Comissão Europeia um papel central no exercício, pretendendo reserva apenas para um "debate entre pares" (entre os ministros das Finanças dos Estados membros) o exclusivo dessa tarefa.
Convém, contudo, estar muito atento a estes cantos de sereia. O mecanismo que se pretende instituir terá decerto repercussões nos equilíbrios de forças internos à União e ao peso relativo dos vários Estados membros, consoante ele decorra segundo os procedimentos típicos do método comunitário ou consoante ele se transforme em mais um elemento exclusivamente intergovernamental. Para os países, como Portugal, que se encontram numa posição particularmente vulnerável, a decisão quanto ao modelo a adoptar não é de modo algum indiferente!
O objectivo comum de preservar a credibilidade do euro justifica e exige iniciativas arrojadas de coordenação das políticas económicas na Zona Euro, mas delas não pode decorrer uma ruptura do paradigma sobre o qual se construiu a moeda comum europeia. Só faltaria que quem oscila entre os papéis de gato e de rato ainda viesse a querer agora assumir o papel de lobo!
Obs: Divulgue-se.

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