Cidadania universal - por António Vitorino -
Ora, o texto final da conferência não só não retoma esse tipo de metas como acaba apenas por ser endossado por três dezenas de países de entre os 192 países membros das Nações Unidas que participaram. Perante este panorama, é difícil não falar em fracasso!
Claro que há alguns aspectos positivos que importa não minimizar. No acordo final figuram países que estavam fora dos compromissos de Quioto, como os Estados Unidos, a China e a Índia. Os princípios do financiamento aos países menos desenvolvidos e da transferência de tecnologia amiga do ambiente foram acolhidos, embora a repartição dessas tarefas entre os países desenvolvidos permaneça uma questão de difícil solução, já que, como de costume nestas coisas de boas intenções, "o diabo está nos detalhes". Finalmente a consciência da premência do tema cifrou-se na fixação do objectivo de limitar a subida da temperatura no planeta, até ao final do século, em 2 graus Celsius, o que tem um impacto na redução e no corte de emissões de CO2.
O fracasso da conferência não é, pois, o fim da linha da questão: até daqui a um ano, na cidade do México, os países das Nações Unidas terão de identificar as reduções de emissões (já em Fevereiro do ano que vem), bem como os métodos a adoptar para respeitar o tal limite dos 2 graus Celsius.
Mas, para que daqui a um ano não estejamos de novo a carpir as mágoas de mais um insucesso, convém tirar algumas lições do que se passou na capital da Dinamarca.
E a primeira delas é que Copenhaga marca a afirmação do pe- so incontornável da China nas relações internacionais. Peso que lhe advém, desde logo, do tema em causa (a China consome sete vezes mais energia por unidade produ-zida que o Japão e cinco vezes mais que a União Europeia), mas também da relação que tem, no plano bilateral, com os Estados Unidos por um lado e com o chamado Grupo dos 77 por outro (sobretu-dos países em vias de desenvolvimento).
A segunda lição tem a ver com os limites que as entropias específicas do processo de decisão da ONU colocam a uma negociação deste tipo. A imperiosa necessidade de um acordo universal faz da ONU o fórum adequado para este tipo de acordo, mas, ao mesmo tempo, as regras de consenso e a diluição do processo de negociação onusiano levam, no final, a que um (muito) restrito número de países acabe por ter um peso determinante. E, neste caso, esse limitado número de países não coincide com os membros permanentes do Conselho de Segurança, já que o acordo final foi orquestrado pelos EUA, China, Índia e África do Sul.
Donde resulta a terceira lição: a União Europeia acabou por se ver reduzida a um papel marginal, num tema em relação ao qual sempre foi uma força motora quer na adopção e implementação do Protocolo de Quioto quer na escolha das alterações temáticas como domínio de acção para afirmação de uma sua liderança mundial. O que significa que os europeus terão muito que pedalar ainda se quiserem ter uma voz determinante no México em final de 2010.
O fracasso de Copenhaga quebra o impulso dos últimos dois anos, constituindo um anticlímax difícil de digerir. As incertezas e dúvidas que a declaração final suscita fazem diminuir a pressão sobre as empresas para que renovem a sua capacidade tecnológica e privam os governos de referenciais para a condução de uma política energética em linha com as necessidades do planeta.
Mas, acima de tudo, o impasse aprofunda a desilusão das opiniões públicas mundiais, que atribuem ao tema uma prioridade maior tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. E, no fundo, todos sabemos que a resposta às alterações climáticas depende sempre dos comportamentos das pessoas e das sociedades. É o tema por excelência de uma cidadania universal!
- Obs: Folgo em saber que para este analista os temas da cidadania universal são os temas da energia e do desenvolvimento sustentável, neste caso por referência à Cimeira de Compenhaga, ao passo que o Governo anda entretida com questões de género e de sexo que dividem mais os portugueses do que os unem. Mas também não se pode dizer que Sócrates "vende gato por lebre" ou é incoerente, porque a coisa consta do programa de governo votado e sufragado pelos portugueses. Portanto, só temos o que merecemos. E se calhar merecemos. O que os portugueses jamais mereciam, era a srª Ferreira leite - de quem nem a comunidade gay em Portugal deverá gostar.
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