quinta-feira

A construção do bem comum - por Mário Freire -

Teve lugar entre 20 e 22 de Novembro passado, em Aveiro, um congresso promovido pela Conferência Episcopal Portuguesa subordinado ao tema A construção do Bem Comum – responsabilidade da Pessoa, da Igreja e do Estado.
Aspecto transversal que perpassou ao longo do congresso foi o de se entender que o cristão não pode ser um elemento marginal na sociedade. Pelo contrário, ele tem a obrigação, que decorre da sua própria dignidade, de actuar no meio em que vive, de acordo com as capacidades que possui e as circunstâncias que o envolvem. Cada um terá que se interrogar sobre o papel que pode desempenhar para garantir os direitos sociais.
Duas questões, no entanto, de âmbito mais vasto, não deixaram de ser colocadas. Assim, por um lado, cabe perguntar às religiões que esperam elas realizar para contribuírem para um maior desenvolvimento da sociedade. É sabido que uma religião tem a ver, directamente, da relação do homem com Deus. Mas ser religioso não significa menosprezar a condição humana. Pelo contrário, alguém que se assume como religioso terá que comprometer-se empenhadamente com a humanidade, promovendo a justiça e a paz, base do desenvolvimento social.
Por outro lado, neste mundo em mudança, cheio de desafios mas, também, pleno de desigualdades gritantes, talvez seja a hora de a Igreja Católica não ter medo de se afirmar e, porventura, pôr-se em causa, para promover e praticar a caridade evangélica. Exige-se, ainda, uma mudança do modelo de funcionamento da sociedade em que ao Estado impende a responsabilidade de harmonizar os interesses sociais, vistos à luz do bem comum. E o que é que esse bem comum exige? Que se empenhe na construção da paz; que se assegure uma ordem fundada na justiça, a qual deve ser exigente e eficaz; que se proteja o ambiente; que se assegure a alimentação, a saúde, o alojamento, a educação e a liberdade religiosa; que se proporcione, enfim, uma vida digna e honrada para todos.
Serão alguns destes temas que irão ser objecto de breves análises, em semanas próximas, tendo em consideração aquilo que os principais intervenientes disseram nesse congresso mas, também, alguma reflexão que o subscritor destes artigos tem feito.
Obs: Para os crentes, das várias religiões e tendências, a religião tem um fundamento sobrenatural na revelação e autoridade de Deus. Portanto, se uma dada sociedade se modernizou e desenvolveu - Deus não é alheio a esse fenómeno social e político; se, ao invés, as sociedades se modernizam e desenvolvem - mas já sem a mão de Deus - então esse desenvolvimento terá ficado a dever-se ao trabalho e ao esforço do homem, que pode ser (ou não) colhido na inspiração divina.
Sucede, porém, que hoje as sociedades se desenvolvem ou ficam bloqueadas com base em razões que vão para além da eventual disputa entre os crentes e os não crentes, porque a fome, a habitação, a educação, a alimentação, a saúde e um conjunto de serviços e de bens sociais primários não pode esperar nem se compadece com aquela dicotomia: crente vs não crente.
Daqui decorre uma questão: o que a sociedade e o Estado têm de fazer para, em conjunto, diminuir os indicadores de pobreza e de subdesenvolvimento que, infelizmente, graçam em Portugal, do litoral ao interior, de norte a sul do país?
Provavelmente, a luta cristã de hoje já não é, como no passado recente, com os aparelhos políticos totalitários, soviéticos e populistas, mas contra uma forma degenerada de capitalismo selvagem imposto pelo neoliberalismo do Consenso de Washington que a simples regulação do Estado, através das suas funções económicas e sociais clássicas, já não consegue equilibrar.
Ora, é aqui que se abre caminho para uma intervenção social crescente das instituições sociais afectas à igreja, assim como as demais instituições da sociedade civil no sentido de articular a logística, as finalidades e os recursos para combater a pobreza em Portugal.
Fazer isto significa uma redefinição de prioridades e de papéis que cada um dos actores sociais terá de passar a assumir na busca do (desejado) desenvolvimento.
Até porque se não se pode pedir ao Estado que salve os homens, lhes dê fé em Cristo e pela sua graça; também não se pode pedir à Igreja que governe o país em nome dos ideais e valores bíblicos. Terá, pois, de haver aqui um equilíbrio novo neste apostolado emergente em que todos somos chamados a intervir nesta 1ª década do III milénio.
O que também não deixa de ser uma obra divina, a avaliar pela grandeza da tarefa que espera aos leigos...