terça-feira

Espectáculo

Hoje fazem-se cimeiras para fazer declarações redundantes, gratuitas, supérfluas. Nada de determinante é pensado, dito ou decidido no mundo e a cimeira Iberoamericana ilustra essa vacuidade. As cimeiras, hoje, redundam num espectáculo - que não se traduz simplesmente num conjunto de imagens, mas numa relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. O coração da irrealidade da sociedade real, só para relembrar Guy Debord. É como se faltasse "touro" à realidade. E o vazio colectivo que hoje todos, mais ou menos, sentimos decorre dessa falta de substância das coisas deste mundo que se coisificou. E o mais triste em toda esta terraplanagem ao cérebro do homem a que hoje impotentemente assistimos, é que o "tal" mundo real, aquele que ainda era pensado e amadureceido e tinha alguma substância e esperança, converteu-se hoje em cadeias de imagens, e são elas que se tornam reais e hipnóticas - adormecendo-nos a todos. As narrativas da política, da finança, da economia e até do ambiente - hipnotizam-nos, porque se tornaram espectáculo por excelência. E o mundo, o verdadeiro mundo, esse já não é identificável e apreensível, apenas mediatizável. Hoje todos "olhamos" para uma correnteza de imagens, porque em toda a parte há representações sociais e políticas para serem mostradas, em toda a parte o espectáculo reina, pronto para ditar a sua regra e reconstituir-nos na "banha-da-cobra" em que hoje essas pseudo-narrativas (com ou sem cimeiras) nos pretendem envolver num abraço armilar (vazio). Este tipo de espectáculo é, seguramente, o herdeiro da fraqueza do projecto filosófico ocidental, dominado pelo "olhar" e pelo "ver" sem compreender, e isso limita sériamente toda a nossa racionalidade técnica, política e cultural que não só vandaliza a realidade - como também prostitui o nosso pensamento. Hoje ao ver umas pontas soltas de imagens fragmentadas da cimeira iberoamericana percebi o quanto nos degradámos, atropelando não só o nosso universo especulativo como também valorizamos aquilo que deveríamos desvalorizar ou mesmo censurar: o espectáculo. Hoje, como sinalizámos, a realidade não tem "touro", está sem substância.