sexta-feira

História sem fim - por António Vitorino -

Esta semana evocámos o vigésimo aniversário da queda do Muro de Berlim. Foi unanimemente reconhecido que o 9 de Novembro de 1989 assinala simbolicamente o fim da Guerra Fria e, por isso, representa o acontecimento mais importante desde o final da II Guerra Mundial.DN
A queda do Muro permitiu a unificação da Alemanha, o alargamento da NATO e da União Europeia e abriu um ciclo mundial marcado pela hegemonia isolada dos Estados Unidos da América.
Todos estes acontecimentos potenciaram-se mutuamente, embora o ritmo da sua afirmação tenha sido diferenciado.
A unificação alemã veio primeiro e, num curto espaço de tempo, a nação germânica viu-se reconstituída na sua posição de potência europeia dominante. Entre a assunção dos seus interesses nacionais próprios de forma mais pronunciada e uma certa relativização do peso da integração europeia na sua própria vida política interna, a Alemanha unificada decidiu participar em missões militares fora do seu território e abriu um capítulo de relacionamento com o Leste europeu que conheceu o ponto mais alto na aproximação à Rússia, protagonizada pelo então chanceler Schroeder. Pelo caminho ficou o esmorecimento dos laços com a França enquanto parceiro do projecto europeu e a condução de uma política de abastecimento energético própria, com base numa relação preferencial com os russos.
É esta Alemanha menos europeísta?, eis a pergunta que muitos colocam hoje. Provavelmente ainda não temos em cima da mesa uma resposta completa a esta interrogação, mas decerto que a Alemanha aparece, pelo menos, como mais assertiva na defesa dos seus interesses próprios como país e menos entusiasta dos sucessivos alargamentos da NATO e da União Europeia, neste último caso convergindo com a França nas reservas à entrada da Turquia.
À medida que os equilíbrios internos europeus iam sendo alterados, também se foi adaptando o peso relativo dos vários Estados no próprio processo decisório da União, muito em especial da posição relativa da Alemanha e da França. Tal como assistimos a uma evolução do próprio federalismo alemão no sentido de uma tensão crescente entre a dinâmica da integração europeia e a salvaguarda das prerrogativas dos seus vários Estados federados, consagradas pela Lei Fundamental de Bona, processo que culminou com a recente decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre o Tratado de Lisboa, cujas implicações no futuro do projecto europeu ainda não foram totalmente avaliadas.
À solidão da hegemonia americana foi-se progressivamente juntando o novo gigante do período pós-Guerra Fria: a China, uma superpotência emergente que parece relutante em assumir o seu novo papel global no plano político, por contraste com o peso crescente e cada vez mais decisivo na economia global.
A crise internacional de que começamos agora a sair pode, pois, ser considerada como o fim deste ciclo iniciado com a queda do Muro de Berlim. E, embora estejamos ainda longe de conhecer e até de compreender as novas linhas de clivagem que encontraremos no mundo pós-crise global, a verdade é que todos partilhamos a convicção de que elementos fundamentais de referência que se foram afirmando desde aquela noite de Novembro de 1989 não vão permanecer inalterados.
O dado mais relevante deste fim de ciclo prende-se com a relação entre os EUA e a China, que será determinante nesta nova etapa. Em paralelo, o lugar a que a Europa aspira continua a ser uma incógnita, não tanto pelo que os responsáveis políticos declaram mas, muito mais, pela dúvida sobre o que é que os europeus serão capazes de alcançar.
E se é verdade que, no decurso da recente crise do capitalismo global, não se contrapôs, em nenhum momento, um modelo alternativo que pudesse ser tido como o renascimento do mundo que ruiu com a queda do Muro, não é menos verdade que esta crise colocou a triunfante economia de mercado ao espelho e a imagem que dela se viu não foi tão bela nem tão perfeita como a que fora prometida em Novembro de 1989. O que em nada desmerece do significado histórico da queda do Muro, mas apenas comprova que não há mesmo fim da história!
Obs: Divulgue-se pelo interesse em compreender que, afinal, a tese do fim da história de Francis Fukuyama deve ser relativizada (apesar do seu valor analítico e epistemológico na (re)equação da história mundial) e, ao mesmo tempo, como concluiu António Vitorino, o sistema capitalista global e, mais específicamente a globalização competitiva cuja constelação está em curso nas economias e sociedades europeias, deve ser regulada e humanizada.
Fazer isso, ou seja, humanizar a "besta", é, admitamos, o mais complicado para as direcções políticas que hoje estão sem rumo. E para reduzir essa complexidade urge perguntar qual o papel do presidente da Comissão Europeia na dinamização do projecto europeu!?
Será que ele deverá ser uma espécie de corta-fitas à escala europeia, evocando o velho Américo Tomás no nosso sistema político no âmbito do ancién regime ou, como é desejável, deve ser mais empenhado na criação de condições para potenciar o investimento, o emprego e a modernização económica e social desse grande espaço europeu - que nos últimos anos tem conhecido o vazio e a fragmentação tirando à Europa o seu tradicional estatuto de grande potência mundial.
No campo estratégico, aquilo que tem pautado a ilusão europeia decorre da inexistência de inimigos deixando as sociedades europeias vulneráveis aos efeitos do inimigo interno, do inimigo socialmente não-integrado (económicamente marginalizado) e ressentido, reduzindo o potencial mobilizador da Europa, em especial no desenho dos seus objectivos colectivos com vocação universal, tradição ocidental da Europa.
Numa palavra, a Europa de Durão barroso nestes últimos anos deixa um legado estéril, inútil, já que tirando competitividade à Europa - as sociedades apenas preferem viver satisfeitas a viver mobilizadas, o que equivale a valorizar a distribuição em detrimento da produção, somos mais consumistas do que produtores, e isso tem um tremendo custo social, já para não falar no risco associado a que uma gestão-Barroso ao nível europeu comporta: o risco da multiplicação das reivindicações dos grupos corporativos que, por regra, actuam sempre em prol dos seus interesses de classe em desfavor daquilo que são os interesses gerais europeus, e nesta ordem aquilo que Durão Barroso tem feito, como presidente da CE é o de pactuar com esse tipo de corporativismo europeu.
O que é uma grande injustiça para a própria sociedade europeia que, curiosamente, sempre centrou o seu projecto europeu na igualdade e na protecção das vítimas do progresso. Ora, é este ambiente culturalmente pouco competitivo que Durão barroso tem associado o seu nome e, inevitavelmente, o nome de Portugal. E isso é mau para a Europa como para nós, portugueses.
A história além de não ter fim, banalizou-se com a agravante de ver adiado o seu desenvolvimento e o seu potencial modernizador.