terça-feira

Criámos uma "sociedade Louva-a-deus": comemos as cabeças uns dos outros. Uma queca que sai cara

Female praying mantis eats male after mating

O louva-a-deus é um animal fascinante. Pela forma triangular da cabeça, pelo enorme torax, pelas pernas cerradas para prender as presas, pela forma como, em descanso, parece estar a rezar. Tudo isso faz deste animal um ser estranho, perigoso, metafísico, imprevisível que luta como um expert em artes marciais cujas técnicas, de resto, inspirou.
Mas o que é mais curioso, e que talvez seja menos conhecido, é que no ritual do acasalamento por volta do Outono, é uma altura perigosa para os machos da espécie, já que a fémea muitas vezes acaba por comer a cabeça ao macho durante o próprio acto sexual, como o vídeo documenta. Após o facto consumado, o macho, ainda com vida "vai à vida", pois mesmo sem cabeça sobrevive a prazo, a fémea põe os ovos numa cápsula e assim garante a espécie.
Trata-se, pois, duma forma de canibalismo sexual rara, mas que tem uma razão de ser. Ao se alimentar do macho a fémea consegue um benefício energético e nutricional enorme que lhe pode melhorar tanto a quantidade como a qualidade da sua prole. Por isso, não hesita em comer a cabeça do macho no decurso do próprio acto sexual. Defende-se até a ideia que o macho ao ser devorado aumenta a sua performance sexual, portanto é só vantagens para a fêmea da espécie.
Se atentarmos bem verificamos que práticas desta natureza são commumente praticadas entre nós na sociedade. Na nossa sociedade, na sociedade dos homens e mulheres que construímos. Com os valores, os princípios e a regras de conduta a que chamamos cultura e, num estádio mais elevado, civilização.
O que faz o funcionário público quando trai o colega do lado? O que fazem as mulheres entre si quando disputam o mesmo homem? O que fazem académicos entre si numa universidade sem alunos para manter o posto de trabalho? O que fazem assessores-caciques para agradar ao chefe? O que faz o chefe de divisão para agradar ao director de departamento? Ou o vereador medíocre e mentecapto para agradar ao autarca a fim de se aguentar no cargo?!
Os exemplos podiam multiplicar-se, o que prova que nós, homens e mulheres, dotados de cultura, não somos assim tão diferentes do louva-a-deus. Com a agravante de nos tornarmos ainda mais perigosos e perversos, porque usamos da camuflagem de toda a nossa inteligência e manha para ludibriar o parceiro do lado - que também abre mão dos mesmos recursos numa luta infindável, dada a natureza humana. E, por vezes, nem é necessário comer-lhe a cabeça para o matar.
Se generalizarmos esta equação à sociedade fácilmente constataremos que o meio político, o mundo das empresas, o quadro das relações interpessoais está repleto de atitudes de canibalismo semelhante, pelo que só podemos concluir, como Freud, que somos quase uns animais, apenas a cultura nos diferencia deles. Ainda assim, continuamos a cortar as cabeças às pessoas que pensam de forma diferente da que pensamos.
Ao fim e ao cabo, o que anda há anos a justiça portuguesa a fazer à sociedade, à economia e à política entre nós - senão a comer-nos a cabeça?!
Eis a "sociedade-louva-a-deus" que criámos em todo o seu esplendor: na empresa, na sociedade, no partido, no sindicato, na autarquia, no governo, na escola, na igreja, por vezes, na própria casa - onde dormimos e comemos.
De facto, o mundo está mesmo perigoso... E algumas quecas, essas, são capazes de nos sair caras, muito caras!!!

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