sexta-feira

Prognósticos (I) - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
À esquerda, o resultado autárquico veio recolocar o Bloco de Esquerda no final da escala partidária.
No termo de três actos eleitorais realizados em quatro meses, decerto que nos reconforta a ideia de só termos de voltar às urnas daqui a 14 meses, por ocasião da escolha presidencial!
Várias foram as análises que se foram sucedendo ao longo destes meses, ora interpretando o sentido do voto dos portugueses, ora tentando definir tendências que antecipassem os resultados subsequentes.
Como de costume, houve a cacofonia dos vencedores, todos os contendores encontrando sempre, cada qual, o critério mais afeiçoado da proclamação da sua vitória... Num país que ganhou fama de viver deprimido, ao menos os partidos encontram sempre motivo de autocongratulação: desde os que ganharam por serem os mais votados até aos que mais cresceram, passando pelos que menos perderam ou os que mais lugares subiram no ranking da dimensão relativa! A leitura dos resultados a cargo dos seus protagonistas parece mais uma sessão de terapia de grupo para aliviar vários stresses acumulados...
Esta circunstância explica porque é que alguns dos discursos políticos ainda estão hoje prisioneiros do ambiente político pré-eleitoral, como se o desfecho das eleições não criasse novas responsabilidades e novas obrigações para os agentes políticos, em função dos resultados por cada um obtidos.
Mas, mais do que a leitura dos resultados, duas tendências foram assinaladas e sobre elas se pretenderam retirar conclusões duradouras.
A primeira diz respeito ao peso relativo dos partidos da alternância governativa (PS e PSD) em relação aos demais. Entre as europeias de Junho e as autárquicas de Outubro, esse peso relativo oscilou dos pouco mais de 60% para cerca de 69% (já ponderando a distribuição das coligações PSD/CDS), acima dos 65% das legislativas e a três pontos percentuais do "pico" atingido nas legislativas de 2005. Se alguma tendência houve, portanto, na evolução do voto, foi no sentido contrário da antecipada por muitos comentadores logo a seguir às eleições europeias de Junho, do inelutável (e por alguns muito desejado...) declínio dos partidos que ocupam o centro político.
Claro que as eleições autárquicas têm natureza distinta das legislativas e, por isso, as somas nacionais naquele caso têm de ser tomadas com precaução.
Mas, mesmo com tal prevenção, resulta da consulta de Outubro que o CDS não capitalizou em termos de implantação partidária no poder local o avanço relativo sobre o eleitorado do PSD das legislativas (tendo apenas mantido a única câmara que já detinha anteriormente). E se daí resulta que a aspiração do Dr. Paulo Portas de disputar, a prazo, a liderança da direita ao PSD não tenha ficado irreversivelmente posta em causa, cabe pelo menos interrogarmo-nos se não terá sido um erro, na sua óptica, ter entrado em tantas coligações com o PSD nas condições em que o fez e sem ganhos de substancial visibilidade política...
Já à esquerda, o resultado autárquico veio recolocar o Bloco de Esquerda no final da escala partidária, sem afectar substancialmente os resultados do PS (designadamente nas grandes cidades de Lisboa, Porto e Setúbal, onde, nas legislativas, havia logrado obter apoios relevantes com base no voto de protesto) e sem beliscar o PCP, que, contudo, registou algumas perdas para o PS e para listas independentes. O que coloca a questão da sustentabilidade do crescimento futuro do BE proclamada pelo Dr. Louçã, se apenas alicerçada na lógica do protesto e de alguma retórica pretensamente moralista, cujos efeitos já se fizeram sentir na revisão em baixa das suas próprias expectativas para as legislativas de 27 de Setembro e no resultado desastroso para a câmara da capital!
A acrescida fragmentação da representação parlamentar (sem maioria absoluta de um só partido) não significa, pois, uma alteração irreversível do quadro partidário e consequentemente da lógica da alternância democrática segundo uma linha esquerda/direita.
A segunda conclusão tem a ver com a estabilidade governativa, mas a ela voltaremos para a semana.
Obs: Digamos que no último Congresso do PS, em Espinho, António Costa começou por partir a espinha ao BE, e hoje, volvidos 7 meses, e já conhecidos os resultadaos eleitorais nestes últimos três actos (europeias, legislativas e autárquicas) António Vitorino - mete em seu sítio o partido-protesto do sistema político português que vive e revive da verborreia agressiva e panfletária de Louça, mas que pouca ou nenhuma expressão autárquica tem. E não tendo expressão autárquica a sua sustentabilidade no plano nacional tende a regredir. Daí a necessidade da terapia de grupo a que AV se reporta quando refere que, no quadro da cacofonia dos resultadaos eleitorais, cada um arranjou a sua teoria para dizer que ganhou, ou, pelo menos, não perdeu. E esse exercício, convenhamos, foi giro nuns casos, caricato e ridículo noutros, como no BE do dr. Anacleto Louça.