sexta-feira

[alguma] Justiça em Portugal: a mentira política no caso Freeport. Evocação de Sartre

Há muito que já se percebeu que o caso freeport integra um capítulo cada vez mais estudado na Ciência (e Filosofia) Política e a que alguns filósofos, nomeadamente Jean Paul Sartre, já lhe dedicaram alguma atenção e estudo. Quando se pretende incriminar alguém, como é o caso ao meter Sócrates no centro do furacão do Outlet de Alcochete, e porque estamos de novo em ano eleitoral, o objectivo é manipular a informação de tal modo para que a suspeita se torne realidade, a ficção assuma a vez dos factos e o País não fale doutra coisa.
Isto significa, na prática, que esta mentira política tem autores, provavelmente alguns magistrados que administram as fugas de informações e outros players, mas também tem receptores, doutro modo a mentira seria ineficaz. Portanto, este mecanismo só revela a sua eficácia em sociedades cimplexas, como a nossa, muito dependentes dos media e da informanção massificada que eles debitam diáriamente, hora a hora. Tornando cada um de nós receptores dessa mesma informação. Nuns casos ela valoriza e potencia o poder, noutros, como é nítido nesta farsa do caso Freeport visa, tão só, assassinar políticamente o PM em funções, José Sócrates.

E a lógica que tem presidido à administração das fugas de informação, selectivas, intermitentes, altamente dirigidas e que os media ávidos deste tipo de matéria-prima adoram, é bem o sintoma da podridão deste caso e até do tipo de sociedade e de civilização contemporânea que construímos. E é com ela e com os seus valores que hoje todos temos de viver nesse joguinho sujo de manipulação de vontades e de subjectividades onde, frequentemente, nunca chegamos a conhecer a verdade.
Talvez não seja marginal recuperar aqui uma reflexão do filósofo Jean Paul Sartre, o filósofo existencialista - que perdeu sempre para Raymond Aron o diagnóstico das dinâmicas das relações internacionais da 2ª metade do séc. XX, mas neste caso Sartre tem razão.
Em rigor, Sartre sabia que só mentia quem sabia a verdade, e hoje em Portugal quem a sabe são meia dúzia de magistrados que andam no segredo dos seus gaminetes a urdir as próximas fugasinhas de informação para não deixar o processo freeport morrer e cozinhar Sócrates em lume brando, como o João Ratão. Esta é a finalidade do processo, se possível que dure até às eleições para daí se obterem os dividendos políticos que só interessam, naturalmnte, à oposição em bloco.
Mas dizia Sartre, numa reflexão ainda antes da II Guerra Mundial, o seguinte:

a mentira coloca a liberdade do outro entre parêntises. Não a destrói, isola-a, separa-a do mundo por um vazio e conserva o poder de decidir se o objecto que refere é imaginário ou real. Ao não dizer, cavo um fosso de nada entre duas partes do universo, crio dois universos sem ligação. Mas, ao mesmo tempo, o universo onde vive o enganado está falsificado, portanto é falso.

Já se percebeu, pelo que se conhece do processo freeport e dos timings com que as informações são debitadas nos media, violando o segredo de justiça, que aqui o "enganado" é Sócrates. Mas se este fosse um secretário de Estado tudo isto se desvaneceria num ápice. Ou melhor, nem sequer teria começado.
A mentira política não remete apenas para uma distorção dos factos numa relação entre vontades e subjectividades, com interesses naturalmente contrapostos, ela suporta-se também numa autoridade, aliás num dos órgãos de soberania do Estado de direito, que são as majistraturas - que, em democracia, é também uma fonte de legitimidade.
O problema é que algum corpo dessa magistratura, que vem alimentando um ódio corporativo relativamente ao PM em funções é tal, que a divisão do mundo entre essas duas partes de que Sartre fala - verdade e mentira - (maldosamente nutrida pela administração das fugas ao segredo de justiça) - baralha a opinião pública, e constroi um muro de pressão em torno do enganado que é, óbviamente, o PM.
O perfil deste caso, com os contornos que já todos conhecemos, leva-nos a supôr que o núcleo gerador que vem orquestrando toda esta mentira para entalar Sócrates encontra a sua patologia e vendetta no seio da própria magistratura e em alguns dos seus titulares, pois é operando nas teias invisíveis desse meio hiper-corporativo e opaco e repleto de mordomias e privilégios quase-medievais (a que Sócrates pôs termo) - que os espaço da liberdade se confundem com as cumplicidades velhacas que só têm uma finalidade:
- abater políticamente o político que, a dado momento, empreendeu reformas que eliminaram algumas dessas mordomias corporativas - há muito incompatíveis com um estado de direito e até profundamente injustas quando comparadas com as regalias que os demais quadros da função pública têm em regime democrático.