quarta-feira

A impotência e a perversão da política [agravada] em contextos eleitorais

O ano de 2009 será o ano de todas as pressões, ameaças, manigâncias, jogadas, tácticas e estratégias para que todos e cada um dos players atingam os respectivos objectivos na arena política. Isto seria assim apenas com um só acto eleitoral, com três toda esta potência explosiva aumenta e converge para o apertado leito da política, nem sempre manifestando os melhores valores, revelando os bons princípios, apenas se pretende atingir os resultados, custe o que custar, passe-se por cima de A, B ou C, pouco importa, pois crucial é mesmo a consecução dos resultados.
Dentro deste colete-de-forças da política à portuguesa não deixa de ser tão curioso quanto sintomático que Jorge Coelho, agora CEO da Mota-Engil, venha públicamente denunciar, ainda que com alguma subtileza discursiva (atípica nele), essas mesmas pressões, agora sopradas dos concelhos limítrofes de Cascais e Sintra, onde aquela grande empresa de construção tem obras em curso.
Este pequeno exemplo que intersecta as fronteiras da política com a economia e denuncia as preocupações (e também as pressões de dois autarcas, curiosamente do psd, Fernando seara e António Capucho) dos políticos em geral. Não importa já vincar a ideia de que Seara era completamente desconhecido em Sintra, e aqueles que o conheciam era por via daquele programa deprimente em que alegadamente se fala e analisa o futebol, por isso lhe chamámos o "paraquedista do IC19" que joga e explora o Benfica para potenciar isso na sua actividade de autarca.
Doravante, importa é compreender que a modernidade, acelerada com a revolução democrática dos últimos 30 anos, inaugurou também um novo tipo de sociedade que está na origem duma nova instituição social, na qual, paradoxalmente, o poder se transforma num lugar do vazio, da indecisão, da impotência, do burocratismo, enfim, do não-poder.
Significa isto que a sociedade democrática moderna é formada por um núcleo em que o poder, o conhecimento e a lei se encontram expostos a uma elevada indeterminação. E ela é tão radical que a própria sociedade (política) se foi tornando num teatro, numa ilusão, num jogo de espelhos que reflecte uma aventura incontrolável, de tal forma que o que foi prometido ou instituído só muito raramente é estabelecido ou cumprido. Daí a indeterminação pelo desconhecido, fazendo com que o presente se torne numa incerteza política indefinível e altamente stressante.
Por isso não é de estranhar que os autarcas de Sintra e de Cascais andem a fazer pressões sobre as construtoras para que as "suas" obras públicas sejam concretizadas mesmo antes das eleições. Quem supunha que esta "marmelada política" era apenas um menú da situação engana-se, todos desejam o mesmo e ao mesmo tempo, i.é, antes das eleições. Assim, relembram mais fácilmente às populações de que fizeram algo em prol do bem comum, e quanto mais vistosas elas forem melhor. Pois delas depende a legitimação no cargo, caso desejem renovar os respectivos mandatos.
Por outro lado, é através desta sociedade democrática e da modernidade que ela encerra, que ficamos a conhecer a dissolução dos sinalizadores de certeza, que ainda há bem pouco tempo conferiam à política um grau de autonomia e previsibilidade que hoje já não existe. A denuncia de Jorge Coelho, mais uma vez, é sintomática dete tipo de preocupação com a modernidade no quadro da sociedade democrática e pluralista. Ainda que o exemplo de Jorge Coelho questione a bondade e a legitimidade política e moral das suas subtilezas, pois convém não esquecer, sob pena de sermos tão cínicos quanto hipócritas, que o actual CEO desempenhou importantes funções governamentais que hoje podem cruzar linhas indesejáveis e distorcer o mercado em que opera.
Mas também há que sublinhar, em abono da verdade, que Jorge Coelho já não é ministro desde 2002, salvo erro, e até teve a coragem de se demitir de MAI na sequência da queda da Ponte de Entre-os-Rios que lamentavelmente vitimou tantas pessoas que apenas regressavam de um passeio.
O que aqui é relativamente sui generis, é que, hoje, são marcadamente autarcas e partidos da oposição ao Governo socialista em funções que não se eximem de pressionar as construtoras de que o calendário das obras públicas relativas aos respectivos concelhos têm que estar prontas imediatamente antes das eleições que se avizinham. Não me é difícil ver Seara agitado ao telefone vociferando nesse sentido.
Isto prova que nem tudo pode e deve ser assacado ao poder em funções, e que são tão ou mais perversos os políticos da oposição do que os que actualmente exercem o poder (como autarcas ou no Governo). Pois uns e outros, e não apenas os que ocupam o poder, cultivam e gerem as ilusões, fazendo promessas que sabem não poder cumprir desenvolvendo, com isso, uma forma de pensamento cínico que, paradoxalmente, ainda alimenta mais essa máquina da inverdade e da ilusão política cujas trajectórias são depois mais problemáticas de corrigir.
Ou seja, por trás das preocupações de Seara em Sintra e de António Capucho em Cascais, radicam formas de perversão política, ainda que ocultas no biombo da inocência, da compaixão, do solidarismo, do altruísmo para com as populações e até, pasme-se, da futebolítica, num aproveitamento promíscuo entre essas duas esferas que jamais deveriam misturar-se: o futebol e a política (a futebolítica).
Esta opacidade, clássicamente atribuída ao poder em funções é, hoje, mais do que nunca, imputável a todos os partidos da oposição, mormente aqueles que integram o arco da governação, como é o psd, ainda que Seara tenha um ADN político mais ligado à história e fundação do cds. Daí a minha crónica dificuldade em o associar ao PsD.
Numa palavra, a modernidade política colocou novos desafios sobre a mesa do cálculo e do pensamento politológico e sociológico. Desde logo, como notou Jorge Coelho, agora numa posição seguramente mais confortável (e ganhando oito ou nove vezes mais do que quando era ministro), ao denunciar essa opacidade deliberada protagonizada pelos próprios actores políticos, distorcendo os mecanismos de regulação e avaliação politicos por parte dos eleitores, induzindo-os mesmo em erro, em ilusão e num conjunto de falsas percepções que, para dar o exemplo de Santana Lopes em Lisboa, quer fazer crer aos portugueses que o Túnel do Marquês foi a maravilha da década. Mas não foi.
Aliás, aqui a patologia política de Santana lopes é tal que num curto espaço de tempo ele já se auto-proclamou e assumiu múltiplas narrativas histórico-simbólicas, todas com o fito de recriar uma assembleia de heterónimos na sua própria identidade e personalidade: de "menino-guerreiro", a "D. Sebastião", O Desejado, O Encoberto - com o objectivo de dissipar o nevoeiro, Santana já provou de tudo.
Só faltou dizer que já fez de Fontes Pereira de Melo, mas ainda lá chegaremos...
E compreende-se que assim seja. No fundo, ele tem de construir várias identidades para baralhar e dar de novo, na vã esperança de confundir os eleitores e os munícipes alfacinhas.
Querendo dar a ideia de que foi um executor de obra feita, cavalgando a onda do Túnel do Marquês - Santana arrisca-se a que a memória das pessoas seja mais longa e viva, e vejam nele o fautor da bancarrota da autarquia, autor do emaranhado administrativo e do caos urbanístico e amigo do caldo de cultura gerador de corrupção que grassava na autarquia quando António Costa e a sua equipa pegaram na CML no Verão de 2008. Há ano e meio, portanto.
Mas o que importa, talvez seja garantir à política mecanismos capazes de, no futuro, impedir os actores de perpetuarem e/ou refinarem os mesmos procedimentos, prometendo aquilo que sabem antecipadamente não poder cumprir, poupando, assim, a bondade das populações que nos momentos eleitorais até têm dificuldade em perceber se o candidato pelo psd que foi o pior Primeiro-Ministro pós-25 no País e o pior gestor da Câmara Municipal de Lisboa é, doravante, o mesmo candidato que se procura apresentar em cena sob outras roupagens.
O acto, confesso, assemelha-se mais a uma peça de teatro do que a um acto eleitoral sério.
Creio que este tipo de reincidências escavaca o quadro de valores que deveria presidir na política, seja local ou nacional. A não ser que se pense que Santana, afinal, nem com a muleta do cds/pp tem hipótese em Lisboa, e o psd de Ferreira Leite resolve, fazendo um 2º golpe de rins, abdicar do seu próprio nome para as eleições legislativas e propõe o mesmo Santana para ir em seu lugar. Fazendo o pleno.
Com jeito ainda poderia fazer uma "perninha" nas eleições europeias, para recordar os velhos tempos em que foi eurodeputado.
Bem sei que isto soa a absurdo. Mas mais absurdo é verificar que um partido com responsabilidades de poder como é o posd embarque, mais uma vez, numa aventura destas.
Confirmando a nossa preocupação inicial acerca da credibilidade na política, que se agrava sempre que se constata que é em nome dos desejos pessoais e das birras de certos candidatos, que se formam decisões que não só neutralizam o regular funcionamento da democracia pluralista, como também não trazem nenhum valor acrescentado para a qualidade de vida das populações.