sexta-feira

Três anos de Cavaco em Belém. Um estágio na sala Oval...

Não é difícil resumir a conduta de Cavaco em Belém no decurso destes três anos. Podia dizer que os primeiros dois anos foram de normalidade, i.é, do habitual cinzentismo político e de rotinas institucionais entre Belém e S. Bento, entre o PR e o PM. Os gato fedorento até caricaturaram a relação com um sukete muito engraçado em que os dois titulares dos órgãos de soberania disputavam entre si os elogios. Foi a fase do enamoramento institucional que entretanto se esfumou.
E esfumou-se não porque Cavaco começou, de súbito, a falar verdade, mas porque a madrinha do António Preto, Ferreira Leite, uma amiga pessoal de Cavaco, sem a mínima vocação para a vida política, entrou em cena através da liderança do psd eleita no Congresso de Guimarães. Desde então, tudo se precipitou, nessa perspectiva Ferreira leite foi a mola que passou a envenenar as relações políticas e institucionais entre Belém e S. Bento.
Uma líder fraca, sem projecto, sem identidade, sem carisma, sem autoridade, influência ou poder - precisava de apoiar-se na sua velha mola: Cavaco. Este, iludido, anuiu.
Pelo meio ocorreu a lamentável questão da interpretação do Estatuto dos Açores, em que Cavaco tendo razão jurídica perdeu a contenda porque não soube ter razão política, ao desafiar na praça pública a maioria parlamentar do PS a corrigir algo que deveria ser préviamente tratado pelo TC, que Cavaco intencionalmente resolveu marginalizar - para - publicamente - forçar esse braço-de-ferro que perdeu. E perdeu de forma humilhante. Foi, talvez, a sua principal derrota política e pessoal em toda a sua vida pública.
O que prova que em política não basta ter razão jurídica, há que saber usar da boa razão política.
A proclamação do combate à corrupção e o apelo à transparência na vida pública, o apelo à união dos portugueses - foram alguns aspectos moralizadores destes 3 anos de Cavaco como PR. Vetou alguns diplomas, como a lei do Divórcio, a lei orgânica da GNR ou ainda o estatuto dos jornalistas.
As mensagens de ano novo são rotinas institucionais, o cardeal também as faz. É da praxe. Aqui, nada de novo.
Mas será que os portugueses tiveram alguma vantagem concreta com essas posições de Belém? Será que a acção do PR contribuíu para a modernidade e o desenvolvimento do País?
Cavaco andou também pelo Portugal-profundo, frequentou algumas feiras e mostras de agricultura, bebeu vinho e comeu presunto. Brindou com os agricultores. E na mensagem de Ano Novo até se lembrou dos pequenos comerciantes e da necessidade em o Governo os apoiar de forma especial. Foi a fórmula encontrada para se compensar pela derrota sofrida com o estatuto dos Açores.
Ou seja, Cavaco fala em união, em não nos resignarmos, aparece ao lado dos jovens com potencial empreendedor, reclama estabilidade e lealdade institucional e enquadra tudo isso na tal fórmula da cooperação estratégica - e, no final, patrocina uma sua amiga pessoal para a liderança do psd - cujo único atributo que tem é, precisamente, ser sua amiga pessoal. A mesma que tem a particularidade de ir para a comunicação social fazer eco das vontades, desejos e sonhos presidenciais. Não porque o PR queira, mas porque a porta-vox não autorizada - é desbocada e mete sempre os pés pelas mãos. E isso tem danificado as relações entre Belém e S. Bento, que exige reserva.
Ou seja, em 2006 Cavaco pediu ao Governo que governasse. Em 2007 renovou esse pedido. E em 2008 - por causa do estatuto dos Açores - amuou e resolveu enfrentar a maioria absoluta do PS na AR e saíu derrotado. E como perdeu falou em deslealdade institucional. Pelos vistos, na perspectiva de Belém a lealdade só existe quando as posições de Belém vingam ou têm acolhimento. Embora aqui, na questão dos Açores, todos tivessem cometido excessos. Foram os caprichos e os orgulhos em combustão, e quando assim as emoções tomam conta das racionalizações e perdem todos. Foi o que sucedeu.
A dúvida reside em saber que Cavaco iremos ter em 2009: se um Cavaco normalizado/institucionalizado, ou um Cavaco coadjuvante de Ferreira leite que, como já se percebeu, não vai além de Sta Apolónia. Quanto muito demandará o Poço de Bispo..., e com muitos riscos ao TGV - que Cavaco - também não aprovará.
Mas, sejamos sérios, quando os milhares de eleitores votaram em Cavaco para PR fizeram-no no pressuposto e na vantagem da experiência política acumulada ao longo de uma década em S. Bento, em que Cavaco foi PM e governou Portugal. Fez contactos na Europa e no mundo, e eram esses contactos, essa experiência política acumulada que hoje deveriam ser vertidos para a governação, como se de uma mais-valia se tratasse.
Ora, foi precisamente esse legado que não vi Cavaco explorar ou racionalizar na sua acção política presidencial - e na interacção com o Governo.
A política não é só a arte do discurso, o teatro da representação, o cumprimento dos rituais do poder, das inaugurações e das viagens que servem para passear os assessores e nenhum benefício acrescido trazem para o País. Ao menos, um único Investimento Directo Estrangeiro... Mas parece que também aqui as visitas oficiais ao estrangeiro (ou ao exterior) não passaram de turismo presidencial.
Ser PR é algo mais do que dizer que "estou a fazer o meu melhor para servir o país", ou apostar nessa fórmula vazia de conteúdo vertida na cooperação estratégica.
Cavaco não pode continuar a ser, sobretudo neste ano difícil de 2009, uma espécie do Américo de Tomáz do séc. XXI.
Exige-se-lhe mais. Esperava-se mais.
Para começar bem o ano, um estágio na sala Oval - junto de Obama - talvez não fosse má ideia.
Apresente-se o requerimento na embaixada dos "States" em Portugal com um pedido de deferimento urgente.
Todos ganharíamos...