quinta-feira

Convergências (negativas) entre Pacheco Pereira e Martim Cabral sobre Obama

Imediatamente após o discurso de investidura de Barack Obama nos EUA, que o sagrou o 44º presidente da América - o jornalista Martim Cabral não só criticou o referido discurso, como o achou uma banalidade, repleta de lugares-comuns. Por isso, fico frustrado.
Hoje, Pacheco Pereira ma Quadratura do Círculo da Sic, no mesmo registo - desconfia da redução da política ao espectáculo, e defende que Obama ilustra esse triste espectáculo das luzes da ribalta que hoje ocupam todo o espaço político.
Não vou perder muito tempo com estas insustentabilidades teórico-intelectuais, ou melhor, pseudo-intelectuais na medida em que nem uma nem outra têm razão de ser. Porventura, o jornalista da Sic - que se armou em "carapau de corrida" - desejando ser mais original que O original - desejaria que Obama com uma varinha de condão transformasse a América numa imensa piscina cheia de diamantes, a Europa ficasse inundada de ouro - e a recessão seria uma palavra vã, que jamais existiu. Obama, segundo Martim Cabral, deveria alavancar o mundo com duas frases, aumentar os rendimentos de todos os cidadãos do mundo e erradicar a pobreza no mundo no final da 3ª frase.
Ao jornalista Cabral, que até me habituei a respeitar pelo seu common sense, sempre acompanhado pela memória fotográfica de Nuno Rogeiro, diria que - Obama - até deveria concluir o seu discurso de investidura com uma nota especial aos jornalistas, desejando-lhes mais bom senso e alguma discrição, quando faltam melhores argumentos para comentar os outros.
Mas, (in)felizmente, Obama não conseguiu ir tão longe, por isso arriscamo-nos a ver um Martim Cabral com falhas graves de razoabilidade e até de alguma falta de tolerância analítica que o rigor e a isenção jornalística impõem.
No caso de Pacheco Pereira a coisa é mais grave. Pacheco estudou, é um schollar, ensina e escreve livros, reclama-se pensador. Pacheco não é meramente um autodidata que manda umas bocas em estúdio. Tem, além de aconselhar mal Ferreira leite, uma responsabilidade social que vai muito para lá das bocas insustentáveis de alguns jornalistas com vocação para a chamada originalidade catastrófica.
Ora, ao correlacionar o estilo, o pensamento e a predisposição de Obama para a acção - que tem sido uma revelação inspiradora para o mundo inteiro - Pacheco Poeira - revela não compreender a dimensão dramática e até de marketing e tecnológica do nosso tempo. As luzes da ribalta não iluminam apenas a 7ª arte, mas também a política e as suas relações com os media. Essa nova encenação na representação política integra as grandes transformações dos últimos 50 anos.
Não podemos viver no séc. XXI e fazer comícios e outras formas de comunicação política com as matérias-primas da Revolução Industrial, provavelmente em linha com os desideratos intelectuais de Pacheco.
Portanto, a política, sobretudo na América, tem que se rodear de dispositivos espectaculares. Mas uma coisa é toda essa encenação de luzes, cores e música, outra bem diferente é a comunicação política ocorrer sem que o "actor" principal desse espectáculo saiba pensar, seja autor duma tremenda cultura política (lato sensu), seja um mestre da oratória - o que facilita a planificação e execução das medidas e dos objectivos a realizar) e, em traços gerais, mobilize as instituições e o povo para a realização de um desígnio colectivo: devolver a confiança à América, e, por extensão, ajudar a Europa e o mundo a saírem da crise em que mergulharam.
Provavelmente, Pacheco acha que Obama não passa dum fait-diver comunicacional parido por um marketeer da Lapa, daqueles que hoje tratam da imagem à sua líder Ferreira leite (com os resultados conhecidos). Essa sim, não consegue pensar, não tem vocabulário, não consegue articular duas ideias seguidas, não domina nenhum dos dossiês da governação, não tem uma visão de futuro para Portugal.
Ou seja, a líder que Pacheco apoiou e aconselha é aquilo a que se chama um zero à esquerda na política. E provavelmente isto magoa Pacheco, sendo ele o seu principal conselheiro e confidente - a derrota política de Leite representa também a própria derrota de Pacheco. Uma dupla derrota, portanto. Ora, Obama está nos antípodas desta gente.
Talvez seja por isso que Pacheco se sinta tão distante quando vê alguém com as capacidades intelectuais de Obama, que só valorizam a política - e depois regressa à terra e encontra a sua líder no quarto dos fundos da Lapa com uma colher-de-pau na mão a reclamar a ditadura como método para implementar as reformas em Portugal.
Pacheco Pereira ao tentar tipificar Obama naquela categoria de políticos menores que vive do soundbyte, ao estilo Paulo Portas - revela não só uma falsidade analítica, estupidez política como denuncia a sua má fé de comentador.
O espectáculo a que Pacheco se refere é, pois, mais aplicado ao seu psd - que hoje vive da comédia, da farsa, do melodrama e, quem sabe, duma tragédia eleitoral já no próximo Verão.
Felizmente que Obama contribui para valorizar o espectáculo, porque a sua palavra e pensamento comportam ideias e uma visão de futuro para a América e para o mundo, ao invés de certos líderes de pacotilha que a única coisa que sabem fazer é pedir conselhos aos assessores e produzirem maledicência política.
E aqui a grande dificuldade já não é distinguir o bom do mau espectáculo político, mas tentar evitar que a uma má líder da oposição se sucedam péssimos aconselhamentos que vivem e sobrevivem da sobranceria, da má fé e até da inveja - em que alguns opinion makers são pródigos em Portugal (lamentavelmente).