sexta-feira

LIÇÃO INDIANA - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
LIÇÃO INDIANA, in DN
Então manifestei nestas páginas a minha discordância com tal tese.
Infelizmente os atentados terroristas em Bombaim nesta semana vieram a recolocar a questão terrorista em toda a sua extensão no centro das preocupações internacionais.
Convém recordar que na recente campanha eleitoral americana, o agora Presidente eleito Barack Obama apontou para o Sudoeste asiático como área de preocupação dominante em termos de luta antiterrorista. À cabeça identificou o Afeganistão e suas implicações no Paquistão. Mas para quem segue atentamente estes temas, o facto de a Índia ter sido o palco deste novo atentado não surpreende: no último ano tem-se assistido a uma continuada sucessão de atentados terroristas neste país (rondando a centena por mês neste período mais recente), de alcance e intensidade baixa ou média, mas, dada a sua constância, revelando um caldo de cultura que vai proliferando e que lança a instabilidade e a inquietação na sociedade indiana.
Os especialistas identificam vários protagonismos nestes atentados. Em alguns casos os seus autores têm ligações com grupos radicais paquistaneses, fazendo parte da rede do fundamentalismo de inspiração islâmica. Noutros casos os terroristas são gerados no seio da própria sociedade indiana, doutrinados e recrutados de entre a comunidade islâmica que vive na Índia.
Neste caso tudo leva a crer que a dezena de terroristas que perpetrou os atentados de Bombaim eram originários do Punjab paquistanês e visavam desestabilizar a sociedade indiana a poucos meses de um importante acto eleitoral naquele país.
O que é inovador nestes atentados é o facto de eles se terem prolongado por mais de dois dias, assim contrastando com a natureza instantânea da generalidade dos atentados terroristas suicidários. Os seus agentes não parecem ter sido uma célula agregada ocasionalmente, mas antes um grupo bem treinado, que se dedicou ao seu planeamento durante bastante tempo, que conduziu as operações complexas (ataques quase simultâneos em sete pontos distintos de Bombaim) com uma disciplina e uma precisão militares.
No mais a matriz destes atentados reproduz algumas das consignas do terrorismo global conotado com a Al-Qaeda: tentativa de provocar o maior número possível de vítimas (falava-se de que almejavam cinco mil vítimas), destruição de símbolos da sociedade atacada (estação de caminhos- -de-ferrro, hotéis, hospitais, um centro judaico), escolha de alvos plurinacionais (dos 200 mortos há 30 estrangeiros de 13 nacionalidades distintas) e o maior impacto mediático possível.
É verdade que a duração e o impacto das operações beneficiaram da manifesta impreparação das autoridades na organização da resposta, tal como foram relevantes as falhas de informação para efeitos da sua prevenção. Mas o modelo escolhido pelos terroristas de Bombaim tem de perturbador o facto de poder ser reproduzido em qualquer outro local do mundo desde que os seus promotores constituam um grupo organizado e bem treinado, tocado pelo fanatismo radicalizador que os impele para a destruição em massa e para a mortandade indiscriminada. É que se nos hotéis de Bombaim se podia dizer que os alvos preferenciais seriam estrangeiros ou nacionais das classes mais elevadas, a verdade é que o morticínio na estação de caminhos-de-ferro atingiu sobretudo indianos de baixa condição social que regressavam a suas casas depois de um dia de trabalho...
Esta nova manifestação de barbárie terrorista prova que a capacidade de inovação dos terroristas não pode ser subestimada e que cada vez mais o sucesso desta luta depende de uma prevenção tão eficaz quanto possível. Essa a amarga lição que os indianos aprenderam à custa do seu próprio sangue. Essa é a lição indiana que todos temos de reter.
Obs: Digamos que Barack Obama terá aqui um novo (velho) desafio em relação às questões de segurança a pautar as relações internacionais, agora deslocalizado para o Paquistão, mas que amanhã, dada a forte imigração económica dessas comunidades para as sociedades europeias (mais afluentes), poderá atingir qualquer um de nós ou das nossas estruturas sociais e patrimoniais.
Portanto, a lição aqui sistematização por António Vitorino não só é oportuna e clarificadora como nos poderá dizer directamente respeito se a eclosão de um desses atentados nos bater à porta. Imagine-se o que seria um ataque terrorista análogo nos Hóteis Ritz e Meredien (mesmo um ao lado do outro) com essas instalações repletas de altos dignitários por ocasião de uma qualquer reunião internacional para discutir o futuro da economia mundial...
Ainda que hipotética, é uma das consequências da globalização negativa decorrentes do mundo também ter ficado mais pequeno e mais instantâneo. Para o melhor e para o pior.
Hoje vive-se com tanta e tamanha desconfiança e insegurança que um agente de segurança ao nível das polícias de estrangeiros e fronteiras terá de presumir que qualquer viajante num aeroporto a aguardar o embarque é um potencial terrorista. Hoje, na parte que me toca, só ando a pé e de carro. Deixei os aviões de lado. Entre morrer a 160 klm (como o James Dean) ou a 900 kil. num avião sequestrado prefiro morrer de carro, onde há sempre valetas e escapatórias...
Além do facto de a família das vítimas poder sempre reconhecer os seus entes queridos sem grandes dificuldades, ao invés doutros acidentes e atentados terroristas em que as vítimas inocentes ficam completamente destruídas e carbonizadas neste nova barbárie que as autoridades estatais têm de saber combater.