sexta-feira

Corrida contra o tempo - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
CORRIDA CONTRA O TEMPO António Vitorino
Jurista
O primeiro impacto das medidas tomadas a nível europeu para responder à crise financeira foi globalmente positivo. Ao ponto de a decisão de tomada de posição no capital de alguns bancos particularmente expostos ter sido replicada nos EUA, num aditamento ao Plano Paulson aprovado pelo Congresso norte-americano.
É verdade que as bolsas continuam instáveis, num sobe e desce alternado que indicia que a retoma de confiança dos investidores ainda não está ganha. Mas a continuada queda das taxas de juro do mercado interbancário e os sinais que chegam de que o fluxo financeiro entre bancos retomou o seu curso apontam na direcção certa. Resta agora ver qual o próximo movimento dos bancos centrais quanto à taxa de referência...
No plano europeu, a presidência francesa passou com distinção este difícil teste. O Presidente Sarkozy foi mesmo mais longe numa intervenção no Parlamento Europeu esta semana ao pôr o dedo em várias feridas e delas tirar lições para o futuro.
Nesta crise ficou demonstrada a vantagem de uma efectiva coordenação das políticas económicas dos Estados que partilham a moeda única europeia, sendo recomendável que os governos do euro adoptem de forma mais sistemática este tipo de práticas de cooperação.
A Europa só pode coerentemente exigir uma actuação global sobre os paraísos fiscais se começar ela própria por dar o exemplo, definindo uma postura comum que, no imediato, seja mais exigente quanto aos critérios de transparência e de controlo do seu funcionamento.
A resposta global que agora se torna incontornável tem de assentar na redefinição das regras de funcionamento do sistema financeiro internacional, cabendo à Europa e aos EUA uma especial responsabilidade na formulação de propostas adequadas, partindo, desde logo, da revisão do estatuto do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, bem como de algumas das suas receitas clássicas.
Finalmente o Presidente francês tocou ainda em dois pontos de particular sensibilidade. Por um lado, a constituição de fundos soberanos dos Estados europeus (ou mesmo de um fundo europeu comum) que permita às empresas europeias permanecerem em mãos europeias nesta conjuntura de baixa do preço das suas acções no mercado. E por outro a preservação do essencial do pacote energético e de combate às alterações climáticas sobre o qual a União terá de chegar a acordo até ao final do corrente ano, a tempo de apresentar uma proposta coerente e consequente na conferência internacional da ONU em Dezembro do ano que vem em Copenhaga.
O enunciado destas questões encerra um programa de grande ambição e que não terá à partida um consenso fácil entre os Estados da União.
Algumas das questões (paraísos fiscais, nova arquitectura financeira global) dependem de acordos muito alargados, nos quais terá sempre um papel decisivo o posicionamento dos EUA. Ora, embora tenha sido convocada já para Novembro a primeira das cimeiras internacionais sobre o tema, parece evidente que até à eleição do novo Presidente dos EUA dificilmente se poderá testar os limites do acordo transatlântico sobre estas matérias. Horizonte temporal em que a França já terá dado lugar à República Checa na presidência do Conselho Europeu!
Por outro lado, o pacote energético e climático que a Comissão apresentou define metas ambiciosas que têm inegáveis custos financeiros. Ora, em período de crise financeira e de abrandamento do crescimento económico na Europa, a definição daqueles objectivos será mais difícil, dependendo em muito do modelo de solidariedade ou de partilha de custos que vier a ser definido entre os Estados membros da União Europeia. Esse modelo de solidariedade não pode ignorar nem os esforços nacionais já levados a cabo no cumprimento do ainda vigente Protocolo de Quioto nem o diferente estádio de desenvolvimento económico dos vários países europeus.
Neste particular, a presidência francesa corre contra o tempo. A seu favor tem o sucesso alcançado na gestão da crise financeira e - espera-se! - a lição que os demais parceiros tenham tirado dessa crise: a de que problemas globais exigem respostas globais!
Obs: Começou o regresso à normalidade no sistema financeiro internacional, após a turbulência. O que é uma boa nova. Divulgue-se.